domingo, 17 de julho de 2011

A CARREIRA DO DELEGADO DE POLÍCIA É JURÍDICA

Publicamos abaixo brilhante artigo de autoria da Dra. Tani Bottini, que muito bem esplana as razões e fundamentos legais que demonstram que a carreira de delegado de polícia é jurídica.

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É inquestionável que os Delegados de Polícia são integrantes das carreiras jurídicas


Autor: Tani Bottini

Muito se tem falado e escrito sobre ser ou não o Delegado de Polícia integrante das carreiras jurídicas públicas. Além das argumentações apresentadas por diversos defensores, partimos primeiro do fato que a Constituição Federal de 1988 traz no artigo 144, no seu § 4º que as polícias civis serão dirigidas por Delegados de Polícia de carreira, exercendo estes as funções de polícia judiciária.

A formação necessária para ser um Delegado de Polícia é a de ser bacharel em direito e ser aprovado por meio de concursos públicos de provas e títulos. Aqui já notamos a diferença com outras tantas carreiras da Administração Pública, pois assim como a Magistratura, o Ministério Público e a Defensoria Pública, para o cargo de Delegado de Polícia os títulos exigidos no concurso estão ligados a um desenvolvimento do candidato na área do Direito; seja pela conclusão de doutorado, mestrado, especialização, artigos jurídicos publicados, da mesma maneira que as outras carreiras jurídicas citadas. Lembrando que a definição dos títulos a serem apreciados no concurso público está intimamente ligada ao grau de responsabilidade e à complexidade do cargo a ser exercido. Continuando os paralelos, obrigatoriamente há a participação da Ordem dos Advogados do Brasil nas bancas de concurso para Delegado de Polícia, ainda que não seja exigida aprovação anterior no exame da Ordem.

Toda esta preocupação em relação à capacitação jurídica do candidato se dá porque os Delegados de Polícia tem a obrigatoriedade de analisar fatos e aplicar a lei, e ainda lhes é dada à possibilidade de representar por medidas cautelares, medidas estas que poderão vir a restringir direitos e a liberdade dos cidadãos. Até porque, diferentemente dos membros do Ministério Público que requerem, o Delegado de Polícia representa, ou seja, como Autoridade Policial faz a exposição de motivos demonstrando a necessidade da realização de uma providência legalmente prevista, sustentando, assim um pedido jurídico a uma outra Autoridade, esta Judiciária. E mais, somente o Delegado de Polícia tem a atribuição de restringir a liberdade de alguém, independente de ordem do juiz, ainda que posteriormente haja uma análise judicial.

Afinal, o Delegado de Polícia é um dos profissionais diretamente ligados à distribuição da Justiça na sociedade. É ele quem primeiro fará um juízo de valor da conduta, adequando ou não o fato à conduta prevista, ou seja, classificando-a ou não como crime ou fato penalmente irrelevante. Seu discernimento é peça fundamental na concretização da pacificação social, como muito bem colocou o Dr. Archimedes Marques em artigo recente, “Delegado de polícia é da carreira jurídica?”, é ele quem irá decidir se há ou não justa causa para iniciar uma persecução penal contra determinada pessoa. Óbvio que esta análise dos fatos brutos deverá se feita por quem tenha excelente capacitação jurídica, que esteja ciente de todas as conseqüências a que o acusado ficará exposto, pois somente assim se poderá proteger os direitos dos cidadãos de não se verem processados injustamente.

Podemos ainda lembrar que o cargo nasceu da Magistratura. Em 1841 surgiu a figura do Delegado de Polícia, e cabia ao Imperador nomear, dentre os Juízes de Direito, o chefe de polícia. Ainda que atualmente a carreira de Delegado de Polícia, pertencente ao Poder Executivo, tenha se distanciado da Magistratura, com esta mantém íntima ligação, pois é ao Juiz de Direito que se destina o Inquérito Policial. Logo, fica claro que os Delegados de Polícia possuem a mesma formação jurídica do Juiz, do Membro do Ministério Público ou do Defensor Público, todas reconhecidamente carreiras jurídicas públicas.

À parte das atribuições tipicamente jurídicas, existe ainda a obrigatoriedade de um desenvolvimento profissional do Delegado de Polícia em relação à gestão em segurança pública, sem que com isso seja minimizado o perfil jurídico do cargo. Esta gestão é algo que acrescenta na capacitação do profissional e não que exclui os Delegados de Polícia do rol das carreiras jurídicas públicas.

É óbvio que quando falamos de gestão em segurança pública, não estamos ligando os Delegados de Polícia àquela visão simplista de alguns, que querem colocar estes no mesmo patamar dos oficiais da Polícia Militar, pois a estes cabe a difícil tarefa de manter a ordem pública e atuar como “longa manus” da Autoridade Policial (expressão que designa o executor de ordens). Autoridade Policial esta que é, indubitavelmente, o Delegado de Polícia. Assim, não se pode ser igual, se são diferentes, como já dizia Aristóteles quando falava do Princípio da Contradição: “Nada pode ser e não ser simultaneamente”. Se a Polícia Militar é agente da Autoridade Policial, eles não podem ser ao mesmo tempo a própria Autoridade Policial; encerrando aqui qualquer discussão em relação às forças militares de Segurança Pública.

Seguindo nosso raciocínio, ainda que não haja o reconhecimento formal de alguns governos estaduais e de outras carreiras sobre estar ou não o Delegado de Polícia inserido entre as carreiras jurídicas, o Poder Legislativo tem demonstrado sua crença e confiança e vem ampliando as atribuições do cargo. Claro que isso se deve ao bom desempenho que os Delegados de Polícia tem tido no desenvolver de seu mister. Podemos perceber que o Código de Processo Penal, com suas recentes reformas, brinda a classe com maiores responsabilidades.

A Lei Federal nº 12.403/2011, que altera artigos do Código de Processo Penal, trouxe clareza nesse posicionamento do Poder Legislativo, quando transferiu aos Delegados de Polícia a obrigação de aplicar a fiança a uma maior gama de condutas delitivas, inclusive daquelas punidas com pena de reclusão, que é o regime mais gravoso de cumprimento de pena previsto no nosso ordenamento jurídico. Indubitavelmente, estamos diante da entrega de maiores responsabilidades nas mãos dos Delegados de Polícia. Logo, só podemos pensar que os nossos legisladores entendem a importância desses profissionais, inclusive com atribuições até mais garantistas do que diversas outras já reconhecidamente integrantes das carreiras jurídicas. Como já havia salientado no meu artigo anterior “Porque as reformas do Código de Processo Penal após a Constituição Federal de 1988 confirmam a manutenção do Inquérito Policial presidido por um Delegado de Polícia”, o Delegado de Polícia é figura essencial para a defesa das garantias dos cidadãos frente ao Estado, como já demonstrado pela nossa Carta Magna de 1988.

Além das pressões e incompreensões a que o reconhecimento do cargo como carreira jurídica está sujeito, por vezes o Delegado de Polícia ainda tem que enfrentar o despreparo e a falta de consciência de alguns integrantes da carreira, até mesmo em cargos de elevada envergadura, os quais acreditam que não podem ou não devem fazer parte desta classificação, pois para eles ao Delegado de Polícia cabe apenas ser mero elaborador de boletins de ocorrências e de autos de prisão em flagrante, sem qualquer apreciação jurídica dos fatos. Infeliz daquele que se mantém atrelado a esta visão tacanha de si mesmo e de sua capacidade e saber jurídico.

Diante destas ilações, somente nos cabe insistir no reconhecimento governamental da condição de carreira jurídica pública ao Delegado de Polícia, inclusive com direito a receber um salário digno às atribuições que exerce, como alguns Governos Estaduais vêm fazendo, demonstrando uma capacidade administrativa privilegiada de saber antever novas expectativas sociais.



Tani Bottini e Delegada de Polícia do Estado de São Paulo, pós-graduada em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura, professora de Direito Administrativo em curso preparatório para concurso. Email:tbottini@ig.com.br

REFERÊNCIAS

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Ed. Saraiva, 2007.

ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2ª edição, 1991.

BOTTINI, Tani. Por que as reformas do Código de Processo Penal após a CF de 1988 confirmam a manutenção do inquérito policial presidido por um delegado de polícia. Disponível em:http://jus.uol.com.br/revista/texto/12639. Acesso em: 28 jun. 2011.

MARQUES, Archimedes. Delegado de polícia é da carreira jurídica? Disponível em:http://www.conjur.com.br/2009-jun-05/delegado-policia-considerado-carreira-juridica Acesso em: 20/07/2011.

CINTRA, Luciano Henrique. Delegado de polícia deve ser enquadrado na carreira jurídica. Disponível em :http://www.conjur.com.br/2008-jul-22/delegado_enquadrado_carreira_juridica Acesso em: 20/07/2011

FREITAS, Vladimir Passos de. A Polícia Militar na ordem jurídica brasileira Disponível em:http://www.conjur.com.br/2011-jun-19/segunda-leitura-policia-militar-ordem-juridica-brasileira Acesso em: 20/07/2011

JORGE, Higor Vinicius Nogueira. Delegado de Polícia e carreira jurídica. Disponível em :http://www.webartigos.com/articles/17708/1/DELEGADO-DE-POLICIA-E-CARREIRA-JURIDICA/pagina1.htmlAcesso em: 20/07/2011

Disponível em: http://www.adpesp.org.br/artigos_exibe.php?id=181

segunda-feira, 4 de julho de 2011

DOSIMETRIA EXTRAPROCESSUAL E AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO

1 Noções Introdutórias:


Com o movimento de especialização da violência promovida a partir da década de 90, considerável parte dos delitos migram do Código Penal para a Legislação esparsa e, com isso, a tentativa de inauguração de microssistemas normativos, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Defesa do Consumidor, Lei dos Crimes Ambientais, Código de Transito Brasileiro, dentre outros.


Nessa toada, a Lei 9.099/95 de inegável contribuição para a efetividade da prestação jurisdicional, com institutos de vanguarda como a transação penal, a composição civil dos danos, suspensão condicional da pena, além de regras pertinentes a ação penal, ao mesmo tempo em que lançam luz ao fim do acúmulo de processos do Judiciário Brasileiro, incluem delitos que, malgrado de preceito secundário objetivamente adequado aos Juizados, são de extraordinária repercussão social, porquanto motivos de política criminal recomendem a preservação do bem jurídico tutelado.


E, corrigindo distorção pontual, exsurgem os crimes hoje sob as regras do Estatuto do Idoso e de Leis que disciplinam a violência de gênero, como a Lei Maria da Penha, no que poderíamos denominar de fase de adequação a injustiças verificadas.


Com efeito, se primeiro se especializa e depois se corrige, em curto espaço de tempo, vislumbramos evidente violação ao princípio da segurança jurídica, função que não se desincumbe o legislador por pressão momentânea, sanáveis, contudo, com a exasperação da pena no caso concreto, sempre que a preservação do bem jurídico admitir. Portanto, é cabível a aplicação da dosimetria no auto de prisão em flagrante delito ou isso deve ser analisado tão-somente na sentença condenatória?

2 Dosimetria endoprocessual e extraprocessual:

Definimos dosimetria endoprocessual como aquelas decisões do juiz que utilizam do cálculo da pena, tanto na sentença condenatória, quanto em quaisquer momentos processuais em que a dosimetria é valorada e analisada, a exemplo do acertamento de competência.


Nesse passo, para evitar aparência de impunidade, principalmente na primeira fase da persecução criminal, vale a colação regras de aplicação de pena, ou seja, regras que a autoridade policial tem o dever-poder de fazer atuar, como a aplicação das causas de aumento de pena no auto de prisão em flagrante delito (extraprocessual).


Nos atos processuais ou policiais, enquanto analisada a pena em abstrato, como na decisão do delegado de polícia em autuar alguém em flagrante, seja para efeitos de transação e suspensão condicional do processo afetas ao Ministério Público e, nos atos judiciais ainda que não relativos à pena em concreto, aplicar-se-ão as causas de aumento e diminuição de pena ou a exasperação do concurso de crimes.


Nesse sentido, a Súmula 243 do STJ: O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.

3 Causas de aumento e diminuição da pena:

Conhecidas como majorantes e minorantes, são aplicadas na terceira fase do sistema trifásico desenvolvido por Nelson Hungria e, estabelecidas em quantidades fixas ou variáveis.


Valoradas sobre o resultado da pena resultante da segunda fase da dosimetria, pode decorrer resultado acima ou aquém do preceito secundário.


Observe-se, contudo, que para definição de competência e efeitos no auto de prisão, não incidem sobre a pena base (art.59 do Código Penal), atenuada ou agravada, mas exatamente sobre a pena in abstrato, em seu grau máximo, aumentada no máximo ou diminuída do mínimo, cujo resultado será objeto de cotejo com a Lei 9.099/95.


Decerto, por indução, delitos como o pernicioso “tráfico de animais” podem fazer defluir resposta estatal adequada, ao passo que retira do Legislador a necessidade de especialização desmesurada da violência, evitando-se, desse casuísmo, menção expressa de proibição de institutos da Lei dos Juizados, como previsto na Lei Maria da Penha ou a fixação desarrazoada de penas que venham a ferir o princípio da proporcionalidade.


Se por um lado o Direito Penal é a ultima ratio, em nome do princípio da ofensividade, como bem defende o professor Luiz Flávio Gomes (nota) na interpretação do delito como ofensa ao bem jurídico, por outro, o Direito Penal Objetivo há que ser interpretado com a máxima efetividade, ainda que nos delitos de menor potencial ofensivo.


Frases como “tudo se resolve em cesta básica” de notória finalidade desmoralizadora das instituições e do próprio bem jurídico, são afastadas sempre que aplicadas as regras extraídas da dosimetria, na adequada individualização e respeito ao princípio da proporcionalidade da pena, de viés garantista.


Para casos que destoam ao bom senso, com insuficiência da intervenção estatal, a despeito da gravidade, como no transporte de centenas de aves sem autorização, cuja regra geral seria a lavratura de um Termo Circunstanciado – existindo causas de aumento de pena –, perfeitamente possível o afastamento de parte dos institutos da Lei 9.099/95. In casu, considerando o concurso material entre os delitos do art. 29 (detenção, de seis meses a um ano) e art. 32, §2º (detenção, de três meses a um ano), da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), majorada pela causa de aumento de pena em seu grau máximo (1/3), chega-se a pena em abstrato de 2 anos e 4 meses de detenção, o que afasta a aplicação da Lei 9.099/95 na fase policial da persecução.


Exemplo cotidiano, ainda, verifica-se com o crime previsto no Código de Trânsito Brasileiro. Vale dizer, no crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, mesmo sem considerar as hipóteses do art. 291, §1º, incisos I a III que expressamente já afastam a aplicação da Lei 9.099/95, incidindo as causas de aumento de pena referidas no parágrafo único do art. 303 do CTB, no seu grau máximo (metade), a pena máxima em abstrato será de 3 anos de detenção, hipótese em que não há falar no procedimento do termo circunstanciado, mas sim, em auto de prisão em flagrante delito, malgrado mantenha a representação como condição de procedibilidade. Lapidar nesse sentido o entendimento expendido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso:






EMENTA


APELAÇÃO CRIMINAL - RECEBIMENTO COMO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL - DELITO DE TRÂNSITO - LESÃO CORPORAL CULPOSA E OMISSÃO DE SOCORRO - AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO - SENTENÇA QUE DECRETOU A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE POR TER RECONHECIDO A DECADÊNCIA DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO - INCONFORMISMO DA VÍTIMA – DECRETAÇÃO INDEVIDA - REPRESENTAÇÃO APRESENTADA NO MOMENTO OPORTUNO - INTELIGÊNCIA DO ART. 291 E SEU PARÁGRAFO ÚNICO DO CTB - RECURSO PROVIDO.


Embora o crime de lesão corporal culposa com causa de aumento de pena em razão da omissão de socorro (art. 303, parágrafo único c/c art. 302, parágrafo único - pena máxima de 3 anos de detenção) não seja considerado como de menor potencial ofensivo e por isso, não sujeito ao processamento no Juizado Especial Criminal, há previsão legal para composição civil e eventual renúncia do direito de representação consoante dispõe o art. 291 do CTB, o que se torna necessário reconhecer que a apresentação da representação criminal logo após a realização dessa audiência preliminar de composição é suficiente para afastar a decadência.


SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL


RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL Nº 111939/2007 begin_of_the_skype_highlighting 111939/2007 end_of_the_skype_highlighting - CLASSE I - 13 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS


Data de Julgamento: 07-5-2008


EMENTA


RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - SUPOSTO CRIME CONTRA A HONRA - CALÚNIA E INJÚRIA - CONCURSO MATERIAL – OFENDIDA NA CONDIÇÃO DE FUNCIONÁRIA PÚBLICA - AUMENTO DA PENA - EXCLUSÃO PREMATURA DE DETERMINADO ILÍCITO – SOMATÓRIA DAS PENAS ULTRAPASSAM OS LIMITES DOS CRIMES CONSIDERADOS DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA O PROCESSAMENTO DO FEITO - RECURSO PROVIDO.


Compete ao Juizado Comum, e não ao Juizado Especial, processar e julgar crimes que, isoladamente considerados, classificam-se como infrações penais de menor potencial ofensivo, mas que, ligados pelos laços do concurso material, formal ou pela continuidade delitiva, como no caso, pela soma ou exasperação das penas cominadas, seus limites ultrapassam 02 (dois) anos, desfigurando aquela categoria jurídica.


TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL


RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 78599/2006 - COMARCA DE VÁRZEA GRANDE


Data de Julgamento: 04-12-2006


Em outra toada, regras de diminuição de pena, com aplicação do mínimo previsto (vg.no crime tentado), poderão determinar à competência do Jecrim, em crimes cuja pena máxima in abstrato ultrapassam inicialmente os dois anos.


4 Analogia à fiança:

Vale mencionar aplicação por interpretação analógica, do entendimento quanto à aplicação da fiança pelo juiz no concurso de crimes. Nesse contexto, HC 105171/ SE (publicado em 08/09/2008) e Súmula 81 do STJ: Não se concede fiança quando, em concurso material, a soma das penas mínimas cominadas for superior a dois anos de reclusão.

5 Circunstâncias legais e aplicação das regras da Prescrição. Não incidência:

As causas atenuantes e agravantes, verificadas na segunda fase do sistema trifásico e, disciplinadas pela parte geral do Código Penal, cuja característica principal é incidir sobre a pena-base, sem patamar definido, pena de violar o princípio da individualização da pena, não se aplicam ao cálculo da pena com repercussão na Lei dos Juizados.


Cabe tão-somente ao juiz, no exercício do prudente arbítrio, à fixação desse quantum.


Ademais, o presente estudo se dissocia da disciplina da prescrição, que não admite a valoração da exasperação da pena do crime continuado no cálculo da prescrição, conforme enunciado sumular 497 do STF: Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença. Não se computando o acréscimo decorrente da continuação.


Ainda, Súmula 220 do STJ: A reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva.


Por expressa previsão legal, o cálculo na prescrição não leva em conta a soma resultante do concurso de crimes consoante a dicção do art. 119 do Código Penal.


6 Síntese Conclusiva:

Nessa dinâmica, as importantes consequências advindas da aplicação de regras de dosimetria em momento extraprocessual impõem, em nome da segurança jurídica e preservação dos direitos fundamentais, a adequada e necessária fundamentação na sentença penal condenatória, no auto de prisão em flagrante delito e, para efeito da transação e da suspensão condicional do processo (nota MPSP).


A individualização da pena, conquista do Iluminismo, tem assento constitucional (art.5º, XLVI, da CRFB/88) e constitui uma das chamadas garantias criminais repressivas conforme Cezar Roberto Bitencourt, preconizando a absoluta e completa fundamentação.


Posto isso, mister a aplicação de institutos da dosimetria da pena –individualização da pena em momento extraprocessual, vale dizer, fora da sentença penal condenatória –, como importante fator de difusão e respeito a ordem jurídica nos delitos de menor potencial ofensivo, cujos bens jurídicos tutelados suplantam empiricamente a valoração da pena máxima cominada – ratio da majorante ou minorante –, alinhando-se a aplicação da pena como premissa e objetivo do direito penal moderno.


7 Referências bibliográficas:

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no Direito Penal. São Paulo, RT, 2002. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo, Saraiva, 2009. v. 1, p. 636.


Nesse sentido a tese 107 da reunião ordinária do Setor de Recursos Extraordinários e Especiais do Ministério Público do Estado de São Paulo, de 08/05/2003: “Para efeito da transação e da suspensão condicional do processo, previstas na Lei n.9.099/95, levam-se em conta as causas de aumento e de diminuição de pena”.


Cancelado o Enunciado 11 do FONAJE: “Não devem ser levados em consideração os acréscimos do concurso formal e do crime continuado para efeito de aplicação da Lei n. 9.099/95”.


Autor: Everson Aparecido Contelli, delegado de polícia titular da Delegacia de Polícia de Piquerobi/SP.