sexta-feira, 23 de novembro de 2012

CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL?


Publicamos abaixo mais um brilhante artigo do colega Dr. Mário Leite de Barros Filho, que desenvolve estudo a respeito da possibilidade de um contraditório mitigado no inquérito policial. 


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O contraditório mitigado no inquérito policial


Disponível em: http://marioleitedebarrosfilho.blogspot.com.br/ 

Estuda-se o sistema do contraditório mitigado no inquérito policial, que defende uma participação mais ativa do advogado na fase da formalização dos atos de investigação criminal.

Resumo: A presente matéria estuda o sistema do contraditório mitigado no inquérito policial, que defende uma participação mais ativa do advogado na fase da formalização dos atos de investigação criminal. A mencionada tese se fundamenta na necessidade de proporcionar à defesa paridade de força e oportunidades com a acusação, exercida pelo Ministério Público, durante a persecução criminal. O autor da matéria contesta o paradigma que o inquérito policial é um procedimento dispensável, de natureza inquisitiva, meramente preparatório da ação penal. Defende que, com a nova ordem jurídica, principalmente, em razão do princípio do devido processo legal, o inquérito policial se transformou em um procedimento de proteção dos direitos e garantias individuais, por intermédio da busca da verdade real, tendo como destinatário o Poder Judiciário. Neste contexto, a Polícia Judiciária não está vinculada à acusação ou à defesa, agindo com imparcialidade, tem apenas compromisso com a verdade dos fatos. Em síntese, neste trabalho o inquérito policial é concebido como um verdadeiro instrumento de Justiça Criminal.

Palavras-chave: Contraditório Mitigado no Inquérito Policial; Inquérito Policial; Investigação Criminal; Polícia Civil; Polícia Judiciária; Poder Judiciário; Ministério Público; Direitos e Garantias Fundamentais; Contraditório; Ampla Defesa; Imparcialidade; Justiça Criminal; Devido Processo Legal; Sistema Inquisitivo; Delegado de Polícia, Autoridade Policial; Advogado; Verdade Real; e Persecução Criminal.

Sumário: I – Evolução Histórica da Polícia Civil; II – Mudança do Perfil do Delegado de Polícia; III – Evolução do Inquérito Policial; IV – Contraditório Mitigado no Inquérito Policial; V - Conclusão; e VI – Bibliografia.

I – Evolução Histórica da Polícia Civil

Para entender o sistema do contraditório mitigado no inquérito policial é necessário, antes, estudar a evolução histórica da Polícia Judiciária.

A Polícia Civil, na condição de Instituição responsável pela segurança pública, foi obrigada a adaptar suas atribuições no sentido de atender aos interesses da sociedade.

Inicialmente, a atividade exercida pela Polícia Judiciária estava vinculada à imagem repressiva.

Durante o período da ditadura militar, a atividade da Polícia Civil foi utilizada indevidamente como instrumento político. A natureza inquisitiva do inquérito policial era consentânea ao regime autoritário.

Posteriormente, com a democratização do Brasil, a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, conferiu expressamente à Polícia Civil a atribuição de elucidação dos delitos, consoante se observa do § 4º, art. 144.

Neste contexto, a Polícia Judiciária assumiu o papel de guardiã da segurança pública – gestora das atividades de investigação criminal do Estado.

Finalmente, com a evolução dos direitos e garantias fundamentais, a Polícia Civil passou a atuar na área da superação da violência e dos conflitos.

Com a nova ordem jurídica, a Polícia Civil se prepara para assumir o papel de pacificadora social.

Consequentemente, percebe-se que, em razão da evolução dos direitos fundamentais, as atribuições da Polícia Judiciária foram adequadas e ampliadas:

- Elucidação dos crimes – investigação criminal; e

- Mediação de conflitos decorrentes das infrações criminais de menor potencial ofensivo – pacificadora social.

Portanto, a Polícia Judiciária sofreu verdadeira metamorfose profissional, evoluindo de mero coadjuvante para assumir a condição de protagonista no cenário da segurança pública nacional.



II – Mudança do Perfil do Delegado de Polícia

Para desempenhar o novo papel da Polícia Civil, o delegado de polícia precisou, também, alterar o seu perfil profissional.

Antigamente, o delegado de polícia era um profissinal mais operacional, voltado somente à investigação criminal.

Atualmente, o delegado de polícia é um profissional mais sofisticado, um verdadeiro operador do direito, que domina a ciência da investigação.

A mencionada transformação proporcionou condições para a inclusão da atividade exercida pelo delegado de polícia no rol das carreiras jurídica, por intermédio da Emenda Constitucional nº 35/2012.

A aprovação da Emenda Constitucional nº 35/2012 proporcionou:

- A inclusão da atividade exercida pelos delegados de polícia no rol das carreiras jurídicas;

- Reconhecimento da Polícia Judiciária como atribuição essencial à função jurisdicional do Estado;

- Independência funcional dos delegados de polícia pela livre convicção motivada dos atos de Polícia Judiciária; e

- Exigência de dois anos de atividade jurídica para o ingresso à carreira de delegado de polícia.



III – Evolução do Inquérito Policial

O inquérito policial, principal ato de Polícia Judiciária, também, se amoldou à nova ordem jurídica.

O inquérito policial sempre foi considerado, pelo Ministério Público, um procedimento dispensável, de natureza inquisitiva, meramente preparatório da ação penal.

Entretanto, a Constituição Federal adotou o princípio do devido processo legal, no inciso LIV, do art. 5º:

Art. 5º - (...)

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (grifei)

O princípio do devido processo legal é concebido como o conjunto de direitos, que garante uma investigação, instrução e julgamento justo ao acusado.

Entre estes direitos se destacam o contraditório e a ampla defesa (inciso LV, art. 5º, CF).

Art. 5º - (...)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (grifei)

Enquanto a definição de contraditório está vinculada à possibilidade do acusado produzir provas e apresentar a sua versão sobre os fatos, refutando as alegações e os elementos que lhe sejam desfavoráveis; o conceito de ampla defesa está relacionado ao direito da pessoa acoimada se insurgir e utilizar todos os meios necessários para demonstrar a sua inocência.

Acontece que, durante o inquérito policial, poderá ocorrer a dilapidação do patrimônio moral da pessoa investigada, em virtude da mudança do seu status.

O status da pessoa investigada poderá se transformar da simples condição de averiguada, passando pela situação desconfortável de suspeita, até alcançar a posição constrangedora de indiciada.

Ora, se durante o inquérito policial poderá ocorrer dano ao patrimônio moral da pessoa investigada, em decorrência da mudança do seu status, nada mais justo que ela tenha o direito de se defender e produzir provas.

Neste sentido, o inquérito policial se transformou em um instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais.

Nesta conjuntura, atualmente, o inquérito policial é o procedimento de Polícia Judiciária, presidido por delegado de polícia, de carreira jurídica, destinado à formalização das atividades de investigação criminal, realizadas com o objetivo de elucidação da autoria e demais circunstância do crime, por intermédio da busca da verdade real, tendo como destinatário o Poder Judiciário.

Efetivamente, a autoridade policial, por não ser parte, não se envolve e nem se apaixona pela causa investigada.

O delegado de polícia não está vinculado à acusação ou à defesa, agindo como um magistrado, tem apenas compromisso com a verdade dos fatos.

Em síntese, o inquérito policial é concebido como um verdadeiro instrumento de justiça criminal.



IV - O Contraditório Mitigado no Inquérito Policial

Apesar da possibilidade de dano ao patrimônio moral da pessoa investigada, na fase da investigação criminal, a atuação do advogado é limitada, em razão da suposta natureza inquisitiva do inquérito policial.

Na época atual, o papel do advogado se limita a impedir eventuais abusos e excessos praticados pela autoridade policial contra seu cliente.

O sistema do contraditório mitigado no inquérito policial se fundamenta na necessidade de proporcionar à defesa paridade de força e oportunidades com a acusação, exercida pelo Ministério Público.

Nos últimos tempos, observa-se um desequilíbrio de força entre a acusação e defesa, decorrente da atividade ilícita de investigação criminal seletiva exercida pelo Ministério Público.

O contraditório mitigado no inquérito policial significa a participação mais ativa do advogado, na fase da formalização dos atos de investigação criminal, ajudando o delegado de polícia a esclarecer os fatos, na busca da verdade real.

A participação mais ativa do advogado no inquérito policial pode ocorrer de inúmeras formas, entre elas, se destacam as seguintes iniciativas:

- Arrolando testemunhas;

- Solicitando a realização de diligências;

- Postulando a realização de provas periciais; e

- Proporcionando ao investigado condições para se defender antes de ser indiciado.

Entretanto, a possibilidade da participação mais ativa da defesa, durante a elaboração do inquérito policial, não significa que o advogado poderá interferir e direcionar a investigação criminal.

Vale lembrar que o contraditório mitigado no inquérito policial enfrenta resistência por parte de alguns policiais civis e membros do Ministério Público, acostumados com o comodismo do sistema inquisitivo de produção de elementos de convicção.



V - Conclusão

O contraditório mitigado no inquérito policial propiciará mais confiança e credibilidade aos elementos de convicção produzidos na etapa da investigação criminal.

A atividade conjunta realizada pelo delegado de polícia (Polícia Judiciária) e advogado (OAB), por intermédio do contraditório mitigado no inquérito policial, contribui para o aprimoramento da justiça criminal, na medida em que proporciona condições para a realização de uma investigação criminal mais justa.



VI - Bibliografia

BARROS FILHO, Mário Leite de. Direito Administrativo Disciplinar da Polícia – Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia Paulista. 2ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2007.

BARROS FILHO, Mário Leite de e BONILHA, Ciro de Araújo Martins. Concurso Delegado de Polícia de São Paulo – Direito Administrativo Disciplinar – Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia Paulista. 1ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2006.

BONILHA, Ciro de Araújo Martins. Da Prevenção da Infração Administrativa. São Paulo/Bauru: Edipro, 1ª ed., 2008.

GOMES, Luiz Flávio. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011 / Alice Bianchini...(et al.); coordenação Luiz Flávio Gomes, Ivan Luís Marques. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011.

MELLO TUCUNDUVA, Ricardo Cardozo. Emprego de algemas: uso e abuso, São Paulo, 2010.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional / Alexandre de Moraes. - 13. ed. - São Paulo: Atlas, 2003.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de e BARROS FILHO, Mário Leite de, Resgate da Dignidade da Polícia Judiciária Brasileira. São Paulo: 2010 – Edição dos autores.

OLIVEIRA, Régis Fernandes. O Funcionário Estadual e seu Estatuto. São Paulo: Max Limonad, 1975.

Autor



Delegado de Polícia, de Classe Especial, do Estado de São Paulo. Professor da Academia de Polícia de São Paulo. Professor universitário, tutor do Ensino a Distância, da Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP. Autor de quatro obras na área do Direito Administrativo Disciplinar e da Polícia Judiciária.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

QUEM ACUSA NÃO DEVE INVESTIGAR


Publicamos abaixo artigo de autoria do Dr. George Melão, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. 
Concordamos que é necessário delimitar com clareza os poderes e atribuições de cada instituição, medida imprescindível para evitar o cometimento de abusos. O sistema de Justiça Criminal deve se pautar pelo princípio segundo o qual quem investiga não deve julgar; quem julga não deve investigar e não pode iniciar o processo; quem inicia o processo (oferece denúncia ou queixa-crime) não pode julgar, assim como não deve investigar. Esse sistema oferece o necessário equilíbrio processual, mantendo na medida do possível a desejada igualdade entre as partes (acusação e defesa). 
A investigação deve ser o mais imparcial possível, por que busca a verdade sobre os fatos; não deve ser instrumento para servir de base à acusação ou à defesa. 
Por isso, defendemos que a Polícia Civil, instituição responsável pela execução das atividades de Polícia Judiciária, consubstanciadas por meio do Inquérito Policial, deve ter sua condição de Função Essencial à Justiça reconhecida na Constituição da República, conferindo-se garantias legais ao Delegado de Polícia para o exercício independente de suas atribuições.   

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Ministério Público X Sociedade

Quando um órgão da envergadura do Ministério Público faz apelos para tentar convencer Ministros do Supremo Tribunal Federal, Deputados Federais, Senadores da República, a imprensa e a sociedade a alinharem-se ao seu posicionamento corporativo, utilizando-se, para tanto, de informações, no mínimo, distorcidas da realidade, é porque está na hora do Brasil repensar seu modelo administrativo de divisão de Poderes e suas instituições representativas. O Ministério Público não é o quarto Poder (pelo menos não é assim definido pela Constituição Federal), entretanto, está inserido, ainda que de forma dissimulada, em todos os Poderes. No Poder Judiciário, por dispositivo constitucional, o Ministério Público tem acesso pelo sistema denominado “5º Constitucional”. No Poder Executivo, não raro, assume secretarias, ministérios e outros cargos de livre escolha, nomeação e exoneração; No Poder Legislativo, apesar da vedação constitucional contida no § 5º, inciso II, letra “e” do artigo 128, inserida pela Emenda Constitucional 45/2004, o entendimento doutrinário e jurisprudencial é no sentido de que não se aplica aos membros do Ministério Público que ingressaram na carreira antes de 2004, não se aplicando também, e com razão, aos aposentados, desta forma, o Ministério Público também está no Poder Legislativo; O Ministério Público possui inúmeras atribuições constitucionais e legais, entretanto, por mais que se busque, não encontramos em nenhum diploma legal, sequer, referência, a concessões, autorizações ou deliberações para que o Ministério Público realize investigações criminais. O constituinte originário deixou claro no artigo 129 da Constituição Federal de 1.988, quais são as funções institucionais do Ministério Público, e por mais que se queira fazer uma interpretação extensiva do inciso IX do referido artigo, jamais chegar-se-á a conclusão que o Ministério Público está autorizado a investigar crimes. A Constituição Federal definiu de forma clara e objetiva as instituições, suas funções, obrigações, direitos e deveres, separando-as de acordo com suas atribuições por Título, Capítulo, Seção, Artigos etc. Em rápida leitura, até os mais leigos perceberão que o Ministério Público está inserido no Título IV (Da Organização dos Poderes), Capítulo IV (Das Funções Essenciais a Justiça) e Seção I (Do Ministério Público), que não guarda qualquer relação com a Segurança Pública, esta, inserida no Título V (Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas) e Capitulo III (Da Segurança Publica). Desta feita, se o legislador criou órgãos próprios para cuidar especificamente de cada assunto, não é justo que se permita desvios de função e desperdício de dinheiro público em razão da intromissão indevida de um órgão nas atribuições de outro, pois, se cada um fizer a sua parte, com certeza o Brasil caminhará para a prosperidade. O Ministério Público ao rotular, de forma infeliz, a PEC 37/2011 como PEC DA IMPUNIDADE, transmite a ideia que apenas e tão somente ELE, Ministério Público, é a única instituição honesta, decente, impoluta e não sujeita a conter em seus quadros pessoas que possam macular sua imagem, ou seja, dá a entender que o Poder Legislativo estimula a impunidade por criar a PEC 37/2011, que a Policia Judiciária não tem condições morais para realizar a sua função, investigar, que o Poder Judiciário deve curvar-se diante de suas imposições e entendimentos e que o Advogado, ao defender seu cliente, pode ser tão criminoso quanto este. A sociedade brasileira não pode ficar refém deste 4º poder, nos dando a impressão que voltamos à época do império e que foi reinstituído, com outra roupagem, o famigerado Poder Moderador, o qual TUDO podia.

Necessário se faz que as pessoas de bem se unam, pois, somente assim o mal não prevalecerá.

George Melão Presidente do Sindicato dos Delegados de Policia do Estado de São Paulo – Sindpesp.