quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

POLÍCIA JUDICIÁRIA DEVERIA SER FUNÇÃO ESSENCIAL À JUSTIÇA


A Polícia Judiciária, atualmente como se encontra disposta no texto constitucional, é órgão destinado precipuamente à defesa do Estado, quando deveria ser entendida como função essencial à Justiça, adstrita apenas à apuração dos ilícitos penais, com estreita observância das leis e dos direitos e garantias individuais do cidadão. Entendemos que a Polícia Judiciária, portanto, encontra-se inserida na Constituição da República de maneira equivocada. Deveria ser removida do Título V da Constituição, que trata sobre a Defesa do Estado, e deveria ser incluída no Título IV, que trata da organização dos poderes, em especial no Capítulo IV que trata das funções essenciais à Justiça.
A Polícia Judiciária tem sido tratada pelos governantes como órgão que deve ser responsável apenas pela prevenção do crime, sendo dela exigida metas em número de prisões, operações com nomes mirabolantes e esclarecimentos rápidos de crimes que alcançam grande repercussão na mídia.
Essa forma de entender a Polícia Judiciária tem se mostrado bastante inapropriada, para dizer o mínimo, já que compromete a lisura e independência das investigações das infrações penais, causando injustiças e descrédito ao sistema de Justiça criminal como um todo. Sabemos que a identificação da autoria criminosa, com consequente condenação e encarceramento, é uma excelente maneira de prevenção da criminalidade, porém, é preciso muito cuidado para que a apuração seja feita da forma mais isenta e transparente possível, de modo a elevar o nível de credibilidade da Justiça criminal.
Como se sabe, a atuação da Polícia Judiciária ocorre depois da infração ser cometida e, portanto, se destina a apurar as circunstâncias, motivação e autoria de um determinado ilícito penal. Para isso, aquele que preside a investigação deve ter a serenidade e a imparcialidade necessárias para realizar uma correta e tranqüila coleta de indícios e provas que servirão, ao final, para embasar formal indiciamento, que se seguirá a eventual ação penal e, quiçá, futura condenação judicial. Além disso, ressaltamos que o Inquérito Policial, enquanto instrumento de busca da verdade real, deve ser conduzido de maneira isenta e imparcial, por que pode servir também para inocentar alguém injustamente apontado como suspeito da prática infracional.
Infelizmente, a atual situação jurídico-profissional do Delegado de Polícia – autoridade constitucionalmente erigida à condição de dirigente da Polícia Judiciária – está muito aquém de atender às reais necessidades da sociedade, que anseia por uma Justiça criminal insuspeita e de qualidade. Por esse mesmo raciocínio é que fica patente a inconstitucionalidade do entendimento segundo o qual a investigação criminal possa ser conduzida por instituição destinada a atuar como parte acusatória na fase processual, pelos óbvios motivos de que a imparcialidade e isenção necessárias na investigação, assim como aquela que seria necessária para o oferecimento da denúncia, estariam fatalmente comprometidas.
É necessário ressaltar que a prevenção criminal, naquilo que cabe ao Poder Executivo realizar, passa pelo estabelecimento de políticas claras e efetivas de segurança pública, entendendo-se como tal aquelas atividades que deveriam ser desempenhadas para a prevenção não apenas das infrações penais, mas de todas as demais ocorrências que podem representar risco para as pessoas, tais como incêndios, acidentes automobilísticos, enchentes, comércio e consumo de bebidas alcoólicas e drogas, especial proteção às crianças, idosos, deficientes e desabrigados, vigilância sanitária etc., além da prestação dos serviços necessários ao atendimento dos direitos sociais do cidadão, tais como oferecimento de condições dignas de moradia, saneamento básico, transporte público, educação, saúde etc.
À Polícia Judiciária deve incumbir, primordialmente, senão exclusivamente, a apuração das infrações penais de maneira isenta e com respeito às leis, direitos e garantias individuais, sem pressa em apontar culpados e de efetuar prisões. Para isso, deve possuir garantias e atribuições específicas para o bom desempenho dessa nobre função constitucional. Além disso, é preciso que haja total integração da Polícia Judiciária com o Poder Judiciário, assim como com a Defensoria Pública e o Ministério Público, para o melhor desempenho de suas atividades, as quais, por sua natureza, afetam direitos e liberdades civis, eis que envolvem medidas de exceção, tais como busca e apreensão domiciliares, prisões em flagrante e cautelares (temporárias e preventivas), quebra de sigilo nas comunicações etc.
Se houvesse essa integração com maior independência funcional, seria possível um melhor funcionamento do sistema de Justiça criminal, uma vez que as instituições, ao mesmo tempo em que desempenhariam suas atribuições de maneira independente, fiscalizar-se-iam mutuamente, realizando o tão almejado equilíbrio através do chamado sistema de freios e contrapesos, o que conferiria maior transparência e eficiência na prestação dos serviços públicos.
Emanuel Marcos Lopes, é delegado de Polícia paulista e mestre em Direito pela UNIMES.

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