terça-feira, 11 de dezembro de 2012

INVESTIGAÇÕES ARBITRÁRIAS



Promotores e procuradores, ao agir como polícia, em geral são
autoritários. E não é raro o Ministério Público selecionar casos pela
presença de mídia.

A Constituição brasileira, em seu artigo 129, consigna, expressamente, quais as funções institucionais do Ministério Público.
Dentre elas, são elencadas a promoção da ação penal de iniciativa pública (inciso I), a requisições de documentos e informações em procedimentos administrativos (VI) e a requisição de diligências investigatórias e de inquéritos policiais (VII).
A Constituição, tal como se expôs, versou especificamente sobre a possibilidade de instauração de inquéritos policiais. Consignou que o órgão ministerial poderia apenas requisitá-los, não presidi-los.
A razão pela qual o Ministério Público não pode conduzir investigações criminais é deveras singela.
Não se trata da falta de poderes constitucionais para fazê-lo nem de uma questão corporativa qualquer.
Falta à investigação conduzida pelo Ministério Público um marco normativo, ditado por lei ordinária. Afinal de contas, em matéria de direito público, os órgãos do Estado são regidos pelo princípio da legalidade estrita, fato que os fiscais da execução da lei deveriam bem conhecer.
Quando promotores de Justiça e procuradores (estaduais e federais) agem como se fossem policiais, geralmente o fazem de forma autoritária e arbitrária. Ressalta-se, ainda, o fato, não raro, de o Ministério Público selecionar a dedo os casos e investigações em que pretende atuar, violando, entre outros, o princípio do promotor natural. Em regra, esses casos são os que merecem os holofotes da mídia.
Vale, para enriquecer o debate, lembrar o julgamento do recurso extraordinário 233.072-4/RJ, em maio de 1999, pela segunda turma do STF. Por maioria, ela decidiu que o Ministério Público é parte ilegítima para realizar investigações preliminares criminais.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio de Mello afirmou: "Aqueles que têm poder -já se disse, isso é vala comum- tendem a exorbitar no exercício desse poder. É preciso que se coloque um freio nessa tentativa.
Vejo esse processo revelador de uma precipitação do Ministério Público, que, em vez de provocar a abertura do inquérito policial, como lhe cabia fazer, já que o passo seguinte não seria a propositura de uma ação civil pública, mas de uma ação penal, resolveu ele próprio -não sei se teria desconfiado da polícia- promover as diligências para a coleta de peças, objetivando respaldar a oferta, a propositura da ação penal e a oferta, portanto, da própria denúncia."
Dentre os vários argumentos apresentados por aqueles que defendem o poder de investigação do Ministério Público, um é que se um só órgão investiga -no caso, a polícia-, poucos serão os casos a serem efetivamente apurados e julgados em razoável espaço de tempo.
Ora, ao prevalecer esta tese, não demorará muito o Ministério Público reclamará o direito de julgar, hoje exclusivo do Poder Judiciário.
Se investigações são mal feitas -e "malsucedidas", no dizer de muitos-, é necessário pugnar-se pelo aprimoramento daqueles que exercem a função investigatória, no caso a polícia judiciária, e não simplesmente atribuir a outro órgão ou Poder essa função.

LEONARDO ISAAC YAROCHEWSKY, 48, é advogado criminalista e professor de direito penal da PUC-Minas

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL?


Publicamos abaixo mais um brilhante artigo do colega Dr. Mário Leite de Barros Filho, que desenvolve estudo a respeito da possibilidade de um contraditório mitigado no inquérito policial. 


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O contraditório mitigado no inquérito policial


Disponível em: http://marioleitedebarrosfilho.blogspot.com.br/ 

Estuda-se o sistema do contraditório mitigado no inquérito policial, que defende uma participação mais ativa do advogado na fase da formalização dos atos de investigação criminal.

Resumo: A presente matéria estuda o sistema do contraditório mitigado no inquérito policial, que defende uma participação mais ativa do advogado na fase da formalização dos atos de investigação criminal. A mencionada tese se fundamenta na necessidade de proporcionar à defesa paridade de força e oportunidades com a acusação, exercida pelo Ministério Público, durante a persecução criminal. O autor da matéria contesta o paradigma que o inquérito policial é um procedimento dispensável, de natureza inquisitiva, meramente preparatório da ação penal. Defende que, com a nova ordem jurídica, principalmente, em razão do princípio do devido processo legal, o inquérito policial se transformou em um procedimento de proteção dos direitos e garantias individuais, por intermédio da busca da verdade real, tendo como destinatário o Poder Judiciário. Neste contexto, a Polícia Judiciária não está vinculada à acusação ou à defesa, agindo com imparcialidade, tem apenas compromisso com a verdade dos fatos. Em síntese, neste trabalho o inquérito policial é concebido como um verdadeiro instrumento de Justiça Criminal.

Palavras-chave: Contraditório Mitigado no Inquérito Policial; Inquérito Policial; Investigação Criminal; Polícia Civil; Polícia Judiciária; Poder Judiciário; Ministério Público; Direitos e Garantias Fundamentais; Contraditório; Ampla Defesa; Imparcialidade; Justiça Criminal; Devido Processo Legal; Sistema Inquisitivo; Delegado de Polícia, Autoridade Policial; Advogado; Verdade Real; e Persecução Criminal.

Sumário: I – Evolução Histórica da Polícia Civil; II – Mudança do Perfil do Delegado de Polícia; III – Evolução do Inquérito Policial; IV – Contraditório Mitigado no Inquérito Policial; V - Conclusão; e VI – Bibliografia.

I – Evolução Histórica da Polícia Civil

Para entender o sistema do contraditório mitigado no inquérito policial é necessário, antes, estudar a evolução histórica da Polícia Judiciária.

A Polícia Civil, na condição de Instituição responsável pela segurança pública, foi obrigada a adaptar suas atribuições no sentido de atender aos interesses da sociedade.

Inicialmente, a atividade exercida pela Polícia Judiciária estava vinculada à imagem repressiva.

Durante o período da ditadura militar, a atividade da Polícia Civil foi utilizada indevidamente como instrumento político. A natureza inquisitiva do inquérito policial era consentânea ao regime autoritário.

Posteriormente, com a democratização do Brasil, a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, conferiu expressamente à Polícia Civil a atribuição de elucidação dos delitos, consoante se observa do § 4º, art. 144.

Neste contexto, a Polícia Judiciária assumiu o papel de guardiã da segurança pública – gestora das atividades de investigação criminal do Estado.

Finalmente, com a evolução dos direitos e garantias fundamentais, a Polícia Civil passou a atuar na área da superação da violência e dos conflitos.

Com a nova ordem jurídica, a Polícia Civil se prepara para assumir o papel de pacificadora social.

Consequentemente, percebe-se que, em razão da evolução dos direitos fundamentais, as atribuições da Polícia Judiciária foram adequadas e ampliadas:

- Elucidação dos crimes – investigação criminal; e

- Mediação de conflitos decorrentes das infrações criminais de menor potencial ofensivo – pacificadora social.

Portanto, a Polícia Judiciária sofreu verdadeira metamorfose profissional, evoluindo de mero coadjuvante para assumir a condição de protagonista no cenário da segurança pública nacional.



II – Mudança do Perfil do Delegado de Polícia

Para desempenhar o novo papel da Polícia Civil, o delegado de polícia precisou, também, alterar o seu perfil profissional.

Antigamente, o delegado de polícia era um profissinal mais operacional, voltado somente à investigação criminal.

Atualmente, o delegado de polícia é um profissional mais sofisticado, um verdadeiro operador do direito, que domina a ciência da investigação.

A mencionada transformação proporcionou condições para a inclusão da atividade exercida pelo delegado de polícia no rol das carreiras jurídica, por intermédio da Emenda Constitucional nº 35/2012.

A aprovação da Emenda Constitucional nº 35/2012 proporcionou:

- A inclusão da atividade exercida pelos delegados de polícia no rol das carreiras jurídicas;

- Reconhecimento da Polícia Judiciária como atribuição essencial à função jurisdicional do Estado;

- Independência funcional dos delegados de polícia pela livre convicção motivada dos atos de Polícia Judiciária; e

- Exigência de dois anos de atividade jurídica para o ingresso à carreira de delegado de polícia.



III – Evolução do Inquérito Policial

O inquérito policial, principal ato de Polícia Judiciária, também, se amoldou à nova ordem jurídica.

O inquérito policial sempre foi considerado, pelo Ministério Público, um procedimento dispensável, de natureza inquisitiva, meramente preparatório da ação penal.

Entretanto, a Constituição Federal adotou o princípio do devido processo legal, no inciso LIV, do art. 5º:

Art. 5º - (...)

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (grifei)

O princípio do devido processo legal é concebido como o conjunto de direitos, que garante uma investigação, instrução e julgamento justo ao acusado.

Entre estes direitos se destacam o contraditório e a ampla defesa (inciso LV, art. 5º, CF).

Art. 5º - (...)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (grifei)

Enquanto a definição de contraditório está vinculada à possibilidade do acusado produzir provas e apresentar a sua versão sobre os fatos, refutando as alegações e os elementos que lhe sejam desfavoráveis; o conceito de ampla defesa está relacionado ao direito da pessoa acoimada se insurgir e utilizar todos os meios necessários para demonstrar a sua inocência.

Acontece que, durante o inquérito policial, poderá ocorrer a dilapidação do patrimônio moral da pessoa investigada, em virtude da mudança do seu status.

O status da pessoa investigada poderá se transformar da simples condição de averiguada, passando pela situação desconfortável de suspeita, até alcançar a posição constrangedora de indiciada.

Ora, se durante o inquérito policial poderá ocorrer dano ao patrimônio moral da pessoa investigada, em decorrência da mudança do seu status, nada mais justo que ela tenha o direito de se defender e produzir provas.

Neste sentido, o inquérito policial se transformou em um instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais.

Nesta conjuntura, atualmente, o inquérito policial é o procedimento de Polícia Judiciária, presidido por delegado de polícia, de carreira jurídica, destinado à formalização das atividades de investigação criminal, realizadas com o objetivo de elucidação da autoria e demais circunstância do crime, por intermédio da busca da verdade real, tendo como destinatário o Poder Judiciário.

Efetivamente, a autoridade policial, por não ser parte, não se envolve e nem se apaixona pela causa investigada.

O delegado de polícia não está vinculado à acusação ou à defesa, agindo como um magistrado, tem apenas compromisso com a verdade dos fatos.

Em síntese, o inquérito policial é concebido como um verdadeiro instrumento de justiça criminal.



IV - O Contraditório Mitigado no Inquérito Policial

Apesar da possibilidade de dano ao patrimônio moral da pessoa investigada, na fase da investigação criminal, a atuação do advogado é limitada, em razão da suposta natureza inquisitiva do inquérito policial.

Na época atual, o papel do advogado se limita a impedir eventuais abusos e excessos praticados pela autoridade policial contra seu cliente.

O sistema do contraditório mitigado no inquérito policial se fundamenta na necessidade de proporcionar à defesa paridade de força e oportunidades com a acusação, exercida pelo Ministério Público.

Nos últimos tempos, observa-se um desequilíbrio de força entre a acusação e defesa, decorrente da atividade ilícita de investigação criminal seletiva exercida pelo Ministério Público.

O contraditório mitigado no inquérito policial significa a participação mais ativa do advogado, na fase da formalização dos atos de investigação criminal, ajudando o delegado de polícia a esclarecer os fatos, na busca da verdade real.

A participação mais ativa do advogado no inquérito policial pode ocorrer de inúmeras formas, entre elas, se destacam as seguintes iniciativas:

- Arrolando testemunhas;

- Solicitando a realização de diligências;

- Postulando a realização de provas periciais; e

- Proporcionando ao investigado condições para se defender antes de ser indiciado.

Entretanto, a possibilidade da participação mais ativa da defesa, durante a elaboração do inquérito policial, não significa que o advogado poderá interferir e direcionar a investigação criminal.

Vale lembrar que o contraditório mitigado no inquérito policial enfrenta resistência por parte de alguns policiais civis e membros do Ministério Público, acostumados com o comodismo do sistema inquisitivo de produção de elementos de convicção.



V - Conclusão

O contraditório mitigado no inquérito policial propiciará mais confiança e credibilidade aos elementos de convicção produzidos na etapa da investigação criminal.

A atividade conjunta realizada pelo delegado de polícia (Polícia Judiciária) e advogado (OAB), por intermédio do contraditório mitigado no inquérito policial, contribui para o aprimoramento da justiça criminal, na medida em que proporciona condições para a realização de uma investigação criminal mais justa.



VI - Bibliografia

BARROS FILHO, Mário Leite de. Direito Administrativo Disciplinar da Polícia – Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia Paulista. 2ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2007.

BARROS FILHO, Mário Leite de e BONILHA, Ciro de Araújo Martins. Concurso Delegado de Polícia de São Paulo – Direito Administrativo Disciplinar – Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia Paulista. 1ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2006.

BONILHA, Ciro de Araújo Martins. Da Prevenção da Infração Administrativa. São Paulo/Bauru: Edipro, 1ª ed., 2008.

GOMES, Luiz Flávio. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011 / Alice Bianchini...(et al.); coordenação Luiz Flávio Gomes, Ivan Luís Marques. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011.

MELLO TUCUNDUVA, Ricardo Cardozo. Emprego de algemas: uso e abuso, São Paulo, 2010.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional / Alexandre de Moraes. - 13. ed. - São Paulo: Atlas, 2003.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de e BARROS FILHO, Mário Leite de, Resgate da Dignidade da Polícia Judiciária Brasileira. São Paulo: 2010 – Edição dos autores.

OLIVEIRA, Régis Fernandes. O Funcionário Estadual e seu Estatuto. São Paulo: Max Limonad, 1975.

Autor



Delegado de Polícia, de Classe Especial, do Estado de São Paulo. Professor da Academia de Polícia de São Paulo. Professor universitário, tutor do Ensino a Distância, da Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP. Autor de quatro obras na área do Direito Administrativo Disciplinar e da Polícia Judiciária.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

QUEM ACUSA NÃO DEVE INVESTIGAR


Publicamos abaixo artigo de autoria do Dr. George Melão, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. 
Concordamos que é necessário delimitar com clareza os poderes e atribuições de cada instituição, medida imprescindível para evitar o cometimento de abusos. O sistema de Justiça Criminal deve se pautar pelo princípio segundo o qual quem investiga não deve julgar; quem julga não deve investigar e não pode iniciar o processo; quem inicia o processo (oferece denúncia ou queixa-crime) não pode julgar, assim como não deve investigar. Esse sistema oferece o necessário equilíbrio processual, mantendo na medida do possível a desejada igualdade entre as partes (acusação e defesa). 
A investigação deve ser o mais imparcial possível, por que busca a verdade sobre os fatos; não deve ser instrumento para servir de base à acusação ou à defesa. 
Por isso, defendemos que a Polícia Civil, instituição responsável pela execução das atividades de Polícia Judiciária, consubstanciadas por meio do Inquérito Policial, deve ter sua condição de Função Essencial à Justiça reconhecida na Constituição da República, conferindo-se garantias legais ao Delegado de Polícia para o exercício independente de suas atribuições.   

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Ministério Público X Sociedade

Quando um órgão da envergadura do Ministério Público faz apelos para tentar convencer Ministros do Supremo Tribunal Federal, Deputados Federais, Senadores da República, a imprensa e a sociedade a alinharem-se ao seu posicionamento corporativo, utilizando-se, para tanto, de informações, no mínimo, distorcidas da realidade, é porque está na hora do Brasil repensar seu modelo administrativo de divisão de Poderes e suas instituições representativas. O Ministério Público não é o quarto Poder (pelo menos não é assim definido pela Constituição Federal), entretanto, está inserido, ainda que de forma dissimulada, em todos os Poderes. No Poder Judiciário, por dispositivo constitucional, o Ministério Público tem acesso pelo sistema denominado “5º Constitucional”. No Poder Executivo, não raro, assume secretarias, ministérios e outros cargos de livre escolha, nomeação e exoneração; No Poder Legislativo, apesar da vedação constitucional contida no § 5º, inciso II, letra “e” do artigo 128, inserida pela Emenda Constitucional 45/2004, o entendimento doutrinário e jurisprudencial é no sentido de que não se aplica aos membros do Ministério Público que ingressaram na carreira antes de 2004, não se aplicando também, e com razão, aos aposentados, desta forma, o Ministério Público também está no Poder Legislativo; O Ministério Público possui inúmeras atribuições constitucionais e legais, entretanto, por mais que se busque, não encontramos em nenhum diploma legal, sequer, referência, a concessões, autorizações ou deliberações para que o Ministério Público realize investigações criminais. O constituinte originário deixou claro no artigo 129 da Constituição Federal de 1.988, quais são as funções institucionais do Ministério Público, e por mais que se queira fazer uma interpretação extensiva do inciso IX do referido artigo, jamais chegar-se-á a conclusão que o Ministério Público está autorizado a investigar crimes. A Constituição Federal definiu de forma clara e objetiva as instituições, suas funções, obrigações, direitos e deveres, separando-as de acordo com suas atribuições por Título, Capítulo, Seção, Artigos etc. Em rápida leitura, até os mais leigos perceberão que o Ministério Público está inserido no Título IV (Da Organização dos Poderes), Capítulo IV (Das Funções Essenciais a Justiça) e Seção I (Do Ministério Público), que não guarda qualquer relação com a Segurança Pública, esta, inserida no Título V (Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas) e Capitulo III (Da Segurança Publica). Desta feita, se o legislador criou órgãos próprios para cuidar especificamente de cada assunto, não é justo que se permita desvios de função e desperdício de dinheiro público em razão da intromissão indevida de um órgão nas atribuições de outro, pois, se cada um fizer a sua parte, com certeza o Brasil caminhará para a prosperidade. O Ministério Público ao rotular, de forma infeliz, a PEC 37/2011 como PEC DA IMPUNIDADE, transmite a ideia que apenas e tão somente ELE, Ministério Público, é a única instituição honesta, decente, impoluta e não sujeita a conter em seus quadros pessoas que possam macular sua imagem, ou seja, dá a entender que o Poder Legislativo estimula a impunidade por criar a PEC 37/2011, que a Policia Judiciária não tem condições morais para realizar a sua função, investigar, que o Poder Judiciário deve curvar-se diante de suas imposições e entendimentos e que o Advogado, ao defender seu cliente, pode ser tão criminoso quanto este. A sociedade brasileira não pode ficar refém deste 4º poder, nos dando a impressão que voltamos à época do império e que foi reinstituído, com outra roupagem, o famigerado Poder Moderador, o qual TUDO podia.

Necessário se faz que as pessoas de bem se unam, pois, somente assim o mal não prevalecerá.

George Melão Presidente do Sindicato dos Delegados de Policia do Estado de São Paulo – Sindpesp. 

domingo, 14 de outubro de 2012

A POLÍCIA E A GUERRA ASSIMÉTRICA



ESCRITO POR VALTER HELLER DANI | 13 OUTUBRO 2012

ARTIGOS - MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO
Esta maneira sórdida de lutar, de batalha em batalha, está ganhando a guerra polícia-bandido. A polícia está cada vez mais se encolhendo, acuada por toda sorte de “entidades sociais”.

A guerra assimétrica é um expediente largamente utilizado por forças revolucionárias que remonta a Sun Tzu na obra A Arte da Guerra, tendo seu significado sido habilmente deturpado para a pueril afirmação de tratar simplesmente sobre confronto do mais fraco contra o mais forte. O princípio desta guerra, a sua finalidade mesma, é, na verdade, fazer com que um dos lados, o revolucionário, sempre tenha pleno direito e até dever de usar contra o inimigo qualquer meio por mais imoral, torpe e indigno que seja, enquanto o outro fica atrelado a uma série de deveres morais e éticos que acabam por fazê-lo sucumbir.

"Guerra Assimétrica: consiste em dar tacitamente a um dos lados beligerantes o direito absoluto de usar de todos os meios de ação, por mais vis e criminosos, explorando ao mesmo tempo como ardil estratégico os compromissos morais e legais que amarram as mãos do adversário". (Diferenças gritantes, Olavo de Carvalho, O Globo, 15 de maio de 2004).
Dentro do arsenal dos praticantes deste tipo de guerra, a mídia é uma das armas mais poderosas. Vários exemplos podem ilustrar essa prática. Um de fácil compreensão é o vasto repertório de torturas e sentenças sumárias de morte - que fazem a Inquisição parecer um passeio no parque -, adotados por Saddam Hussein quando no poder e pelos seus seguidores após sua queda. Dentre eles a amputação de membros a sangue frio e decapitações bárbaras filmadas e divulgadas na Internet apenas para aqueles que se dispuserem a procurar na rede, pois na mídia aberta existe uma proibição velada quanto a divulgação desses fatos. Do outro lado estavam os soldados americanos que, devido a uma humilhação quase que escolar infligida a um prisioneiro, a de botar uma calcinha em sua cabeça e de um ou dois safanões desferidos em outro, são bombardeados pela mídia mundial como os mais tenebrosos e malignos seres viventes. É exigida para eles uma punição exemplar que envolve, além da prisão, a perda da condição de militar, destruindo suas carreiras e conseqüentemente suas vidas. E, segundo essa mídia, essa punição é ainda muito branda para tão excruciante ato de maldade perpetrado por seres tão medonhos.

Atualmente no Brasil nada poderia exemplificar de maneira mais eloqüente o conceito acima do que o confronto entre as polícias e os bandidos. O criminoso tem a seu dispor a mais vasta proteção que um Estado optou conscientemente em adotar: em detrimento da proteção do bem maior que é a sociedade, acaba por proteger singularmente a cada bandido, pois a ideia de que sua conduta advém de seu contato com uma sociedade malvada tem muitos adeptos com grande influência.
Um criminoso, durante um confronto com a polícia, atira a esmo enquanto seu estoque de munição lhe permitir, sem se preocupar com o destino de cada projétil. O policial, por sua vez, só nesse aspecto já está em desvantagem pelo fato de que, em milésimos de segundo, deverá decidir se salva sua vida ou deixa de se defender para não por em risco a vida de inocentes. E quando um desses últimos, por uma fatalidade, acaba se ferindo, mesmo que por ação dos bandidos, a conta, não raro, é debitada à polícia.

Daí por diante o provocador da situação, que é o bandido, é deixado de lado e o foco fica inteiramente voltado à crítica áspera e injusta à polícia. Quando um policial está a serviço é obrigado a aceitar com uma calma ovina todos os tipos de insultos e ofensas, sejam elas morais, pessoais, profissionais, ou até mesmo contra sua integridade física. Caso reaja com intuito de apenas fazer cumprir a lei e nada mais, será prontamente taxado de truculento e de estar abusando do poder. Nesse momento se voltarão contra ele o agressor e todos que estão à sua volta. Num segundo momento encontrará o repúdio da imprensa e depois, para finalizar, virá a espada da Justiça pesando sobre seu pescoço.

Esta maneira sórdida de lutar, de batalha em batalha, está ganhando a guerra polícia-bandido. A polícia está cada vez mais se encolhendo, acuada por toda sorte de “entidades sociais”, pela mídia em geral, classe artística, ONG's de direitos humanos, Justiça, ministério público, entre outras instituições. O crime organizado, enquanto isso, assiste a tudo como uma astuciosa raposa que do alto da colina se deleita ao ver o fazendeiro matando suas próprias galinhas, pensando que assim conseguirá vencê-la.

Valter Heller Dani é policial civil.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

DELEGADOS PRECISAM DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS PARA O PLENO EXERCÍCIO DE SUAS ATRIBUIÇÕES




Pressão na PF: 23% dos delegados dizem sofrer influência em inquéritos

Por Demétrio Weber (demetrio@bsb.oglobo.com.br) | Agência O Globo  2 horas 32 minutos atrás
Agência O GloboBRASÍLIA - Quase um quarto dos delegados da Polícia Federal diz sofrer pressão e influência interna na condução de inquéritos policiais, revela pesquisa divulgada nesta terça-feira pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF). Realizado pelo instituto Sensus, o levantamento mostra que 22,9% dos profissionais afirmaram ser alvo de pressões, enquanto 72,1% declararam o contrário. Outros 5% não opinaram.
O presidente da associação, delegado Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, concorda com a maioria dos entrevistados. Para ele, o grau de autonomia interna na PF é elevado, embora admita que é ingenuidade imaginar que a corporação esteja livre de tentativas de coerção.
Marcos Leôncio considera também que existe muita paranoia: policiais que confundem questões operacionais - como eventuais pedidos de esclarecimento, por parte da direção-geral, sobre deslocamentos de pessoal - com interferências indevidas na investigação.
- Seria ingênuo dizer que não há (pressão). Existe. Mas têm malucos que veem chifre em cabeça de cavalo - disse o presidente da ADPF.
O instituto Sensus entrevistou 695 delegados, entre março e abril. Como nas pesquisas eleitorais, o levantamento tem margem de erro de 3% para mais ou para menos. De acordo com Marcos Leôncio, os entrevistados são uma amostra do universo de cerca de 2,4 mil delegados ativos e inativos no país.
A independência da PF como polícia judiciária divide opiniões: 48,8% disseram que a corporação tem independência, enquanto 46,5% afirmaram o oposto. Outros 4,7% não responderam.
- A polícia internamente adquiriu independência. Nenhum chefe da PF se sente à vontade para chegar à autoridade policial e dizer: 'Quero que você faça isso'. Agora, não dá para falar em independência externa sem orçamento, sem lei orgânica e sob o risco de que basta uma canetada para o diretor-geral perder o cargo - disse Marcos Leôncio.
Para 83,9% dos delegados, o diretor-geral da PF deveria cumprir mandato de três anos, renovável por mais três. Atualmente, a indicação cabe ao ministro da Justiça.
- A PF é um gigante de pés de barro - afirmou Marcos Leôncio, acrescentando que a polícia deveria ser mais do que um departamento no organograma do Ministério da Justiça.
Ele afirmou também que a corporação vive uma "ditadura sindical", referindo-se à disputa interna entre delegados, agentes (escrivães e papiloscopistas) e peritos. O projeto de lei orgânica da PF está no Congresso.
Para 60,1% dos entrevistados, a atual política de remoção de delegados não é justa, assim como 54,7% consideram inadequada a política de correições. Para 49,8%, os processos de apuração disciplinar não são adequados, enquanto 55,3% dizem que a escolha de adidos policiais para servir no exterior não é justa.
Quase metade dos delegados estão na classe especial
O levantamento fez um retrato dos delegados da PF: 5% estão no primeiro degrau da carreira, isto é, são delegados de 3ª classe. Quase metade - 45% - estão no último degrau, a chamada classe especial. Segundo Marcos Leôncio, isso revela a falta de concursos para seleção de novos profissionais. O último ocorreu em 2004. O presidente da ADPF diz que 25 profissionais deixam a corporação a cada ano, por motivos variados como aposentadoria ou morte.
A pesquisa mostrou que 54,4% dos delegados têm entre 30 e 49 anos e 45,6%, mais do que 50. Os homens são maioria - 85,6% -, o que sinaliza, segundo Marcos Leôncio, que a seleção relacionada ao preparo físico é demasiadamente rigorosa. Ele argumentou que o papel dos delegados é dar consistência às investigações, garantindo que sobrevivam às tentativas de invalidação e desconstrução por parte dos advogados de defesa. Assim, atributos físicos seriam indispensáveis apenas para o exercício profissional de agentes e policiais da área operacional:
- O delegado não tem que ser o Rambo.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

DESARMAMENTO SEGUNDO BECCARIA

Cesare Beccaria teceu algumas ponderações sobre legislações que visam o desarmamento da população ordeira. Para ele, são baseadas em falsas idéias, não possuem utilidade prática e estimulam assassinatos, além de expor pessoas de bem aos arbítrios de injustas investigações e prisões. 

Leiam abaixo o trecho extraído do capítulo XXXVIII - DE ALGUMAS FONTES GERAIS DE ERROS E DE INJUSTIÇAS NA LEGISLAÇÃO, de sua clássica obra "Dos Delitos e Das Penas".  

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Não teria certamente idéias justas quem desejasse tirar aos homens o fogo e a água, porque esses dois elementos causam incêndios e inundações, e quem só soubesse impedir o mal pela destruição.

Podem considerar-se igualmente como contrárias ao fim de utilidade as leis que proíbem o porte de armas, pois só desarmam o cidadão pacífico, ao passo que deixam o ferro nas mãos do celerado, bastante acostumado a violar as convenções mais sagradas para respeitar as que são apenas arbitrárias.

Além disso, essas convenções são pouco importantes; há pouco perigo em infringi-las e, por outro lado, se as leis que desarmam fossem executadas com rigor, destruiriam a liberdade pessoal, tão preciosa ao homem tão respeitável aos olhos do legislador esclarecido; submeteriam a inocência a todas as investigações, a todos os vexames arbitrários que só devem ser reservados aos criminosos.

Tais leis só servem para multiplicar os assassínios, entregam o cidadão sem defesa aos golpes do celerado, que fere com mais audácia um homem desarmado; favorecem o bandido que ataca, em detrimento do homem honesto que é atacado.” 

Cesare Beccaria (1738 – 1794). Ed. Ridendo Castigatr Mores. Versão para eBook disponível em www.ebooksbrasil.org

segunda-feira, 4 de junho de 2012

DE PROFESSOR A POLICIAL


Artigo publicado na revista Seleções de março de 1975. Originalmente extraído de um boletim interno do FBI.
Muito interessante para compreender as dificuldades vivenciadas pelos policiais nas ruas e Delegacias.

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DE PROFESSOR A POLICIAL


Por George L. Kirkham,
professor assistente da Escola de Criminologia da Universidade da
Flórida, EUA.



         Como professor de Criminologia, tive problemas durante algum tempo, devido ao fato de que, seguindo a maioria daqueles que escrevem livros sobre assuntos policiais, eu nunca havia sido policial. Contudo, alguns elementos da comunidade acadêmica norte-americana, tal como eu, vimos muitas vezes erros da nossa
polícia. Dos incidentes que lemos nos jornais, formamos imagens estereotipadas, como as do policial violento, racista, venal ou incorreto. O que não vemos são os  milhares de dedicados agentes da polícia, homens e mulheres, lutando e resolvendo problemas difíceis para preservar nossa sociedade e tudo que nos é caro. 
         Muitos dos meus alunos tinham sido policiais, e eles várias vezes opunham às minhas críticas o argumento de que uma pessoa só poderia compreender o que um agente da polícia tem de suportar quando se sentisse na pele de um policial. Por fim, me decidi a aceitar o desafio. Entraria para a polícia e, assim, iria testar a exatidão daquilo que vinha ensinando. Um dos meus alunos (um jovem agente que gozava licença para freqüentar o curso, pertencente à Delegacia de Polícia de Jacksonville, Flórida) me incitou a entrar em contato com o Xerife Dale Carson e o Vice-Xerife D. K. Brown e explicar-lhes minha pretensão. 

1- Lutando por um distintivo. 

Jacksonville parecia-me o lugar ideal.  Um porto marítimo e um centro industrial em crescimento acelerado. Ali ocorriam, também, manifestações dos maiores problemas sociais que afligem nossos tempos: crime, delinqüência, conflitos raciais, miséria e doenças mentais. Tinha, igualmente, a habitual favela e o bairro reservado aos negros. Sua força policial, composta por 800 elementos, era tida como uma das mais evoluídas dos Estados Unidos. 
         Esclareci ao Xerife Carson e ao Vice-Xerife Brown de que pretendia um lugar não como observador, mas como patrulheiro uniformizado, trabalhando em expediente integral durante um período de quatro a seis meses. Eles concordaram, mas impuseram também a condição de que eu deveria, primeiro, preencher os mesmos requisitos que qualquer outro candidato a policial, uma investigação completa do caráter, exame físico, e os mesmos programas de treinamento. Haveria outra condição com a qual concordei prontamente em nome da moral. Todos os outros agentes deviam saber quem eu era e o que estava fazendo ali. Fora disso, em nada eu me distinguiria de qualquer agente, desde o meu revólver Smith and Wesson.38 até o distintivo e o uniforme. 
        O maior obstáculo foram as 280 horas de treinamento estabelecidas por lei.  Durante quatro meses (quatro horas por noite e cinco noites por semana), depois das tarefas de ensino teórico, eu aprendia como utilizar uma arma, como me aproximar de um edifício na escuridão, como interrogar suspeitos, investigar acidentes de trânsito e recolher impressões digitais. Por vezes, à noite, quando regressava a casa depois de horas de treinamento de luta para defesa pessoal, com os músculos cansados, pensava que estava precisando era de um exame de sanidade mental por ter-me metido naquilo. Finalmente, veio a graduação e, com ela, o que viria a ser a mais compensadora experiência da minha vida. 

2 - Patrulhando a rua. 
    
Ao escrever este artigo, já completei mais de 100 rondas como agente iniciado, e tantas coisas aconteceram no espaço de seis meses que jamais voltarei a ser a mesma pessoa. Nunca mais esquecerei também o primeiro dia em que montei guarda defronte à porta da Delegacia de Jacksonville. Sentia-me, ao mesmo tempo, estúpido e orgulhoso no meu novo uniforme azul e com a cartucheira de couro. 
A primeira experiência daquilo que eu chamo de minhas "lições de rua" aconteceu logo de imediato. Com meu colega de patrulha, fui destacado para um bar, onde havia distúrbios, no centro da zona comercial da cidade. Encontramos um bêbado robusto e turbulento que, aos gritos, se recusava a sair.
     Tendo adquirido certa experiência em admoestação correcional, apressei-me a tomar conta do caso. "Desculpe, amigo", disse eu, sorridente,  "não quer dar uma chegadinha aqui fora para bater um papo comigo?" O homem  me encarou incrédulo, com os olhos vermelhos. Cambaleou e me deu um empurrão no ombro. Antes que eu tivesse tempo de me recuperar, chocou-se de novo comigo e, desta vez, fazendo saltar da dragona a corrente que prendia meu apito. Após breve escaramuça, conseguimos levá-lo para a radiopatrulha. 
      Como professor universitário, eu estava habituado a ser tratado com respeito e deferência e, de certo modo, presumia que isso iria continuar assim em minhas novas funções. Estava, porém, aprendendo que meu distintivo e uniforme, longe de me protegerem do desrespeito, muitas vezes atuavam como um imã atraindo indivíduos que odiavam o que eu representava. Confuso, olhei para meu colega, que apenas sorriu. 

3 - Teoria e prática. 

      Nos dias e semanas seguintes, eu iria aprender mais coisas. Como professor, sempre procurava transmitir aos meus alunos a idéia de que era errado exagerar o exercício da autoridade, tomar decisões por outras pessoas ou nos basearmos em ordens e mandatos para executar qualquer tarefa. Como agente de polícia, porém, fui muitas vezes forçado a fazer exatamente isso. Encontrei indivíduos que confundiam gentileza com fraqueza - o que se tornava um convite à violência. Também encontrei homens, mulheres e crianças que, com medo ou em situações de desespero, procuravam auxílio e conselhos no homem uniformizado. 
Cheguei à conclusão de que existe um abismo entre a forma como eu, sentado calmamente no meu gabinete com ar condicionado, conversava com o ladrão ou assaltante à mão armada, e a maneira pela qual os patrulheiros lidam com esses homens - quando eles se mostram violentos, histéricos ou desesperados. Esses agressores, que anteriormente me pareciam tão inocentes, inofensivos e arrependidos depois do crime cometido, como agente de polícia, eu os encarava pela primeira vez como uma ameaça à minha segurança pessoal e a da nossa própria sociedade. 

4 - Aprendendo com o medo. 

Tal como o crime, o medo deixou de ser um conceito abstrato para mim, e se tornou algo bem real, que por várias vezes senti: era a estranha impressão em meu estômago, que experimentava ao me aproximar de uma loja onde o sinal de alarme fora acionado; era uma sensação de boca seca quando, com as lâmpadas azuis acesas e a sirena do carro ligada, corríamos para atender a uma perigosa chamada onde poderia haver tiroteio. 
         Recordo especialmente uma dramática lição no capítulo do medo. Num sábado à noite, patrulhava com meu colega uma zona de bares mal freqüentados e casas de bilhares, quando vimos um jovem estacionar o carro em fila dupla. Dirigimo-nos para o local, e eu pedi que arrumasse devidamente o automóvel, ou então que fosse embora, ao que ele respondeu inopinadamente com insultos. Ao sairmos da radiopatrulha e nos aproximarmos do homem, a multidão exaltada começou a nos rodear. Ele continuava a nos insultar, recusando-se a retirar o carro. Então, tivemos que prendê-lo. Quando o trouxemos para a viatura da polícia, a turba nos cercou completamente. Na confusão que se seguiu, uma mulher histérica abriu meu coldre e tentou sacar meu revólver. 
De súbito, eu estava lutando para salvar minha vida. Recordo a sensação de verdadeiro terror que senti ao premir o botão do armeiro na radiopatrulha onde se encontravam nossas armas longas. Até então, eu sempre tinha defendido a opinião de que não devia ser permitido aos policiais o uso de armas longas, pelo aspecto "agressivo" que denotavam, mas as circunstâncias daquele momento fizeram mudar meu ponto de vista, porque agora era minha vida que estava em risco. Senti certo amargor quando, logo na noite seguinte, voltei a ver, já em liberdade, o indivíduo que tinha provocado aquele quase motim - e mais amargurado fiquei quando ele foi julgado e, confessando-se culpado, condenaram-no a uma pena leve por "violação da ordem". 

5 - Vítimas silenciosas. 

Dentre todas as trágicas vítimas que vi durante seis meses, uma se destacou. No centro da cidade, num edifício de apartamentos, vivia um homem idoso que tinha um cão. Era motorista de ônibus aposentado. Encontrava-os quase sempre na mesma esquina, quando me dirigia para o serviço, e por vezes me
acompanhavam durante alguns quarteirões. 
      Certa noite, fomos chamados por causa de um tiroteio numa rua perto do edifício. Quando chegamos, o velho estava estendido de costas no meio de uma grande poça de sangue. Fora atingido no peito por uma bala e, em agonia, me sussurrou que três adolescentes o tinham interceptado e lhe exigiram dinheiro. Quando viram que tinha tão pouco, dispararam e o abandonaram na rua. 
Em breve, comecei a sentir os efeitos daquela tensão diária a que estava sujeito. Fiquei doente e cansado de ser ofendido e atacado por criminosos que depois seriam quase sempre julgados por juízes benevolentes e por jurados dispostos a conceder aos delinqüentes "nova oportunidade de se reintegrarem ao convívio da sociedade". Como professor de Criminologia, eu dispunha do tempo que queria para tomar decisões difíceis. Como policial, no entanto, era forçado a fazer escolhas críticas em questão de segundos (prender ou não prender, perseguir ou não perseguir), sempre com a incômoda certeza de que outros, aqueles que tinham tempo para analisar e pensar, estariam prontos para julgar e condenar aquilo que eu fizera ou aquilo que não havia feito. 
Como policial, muitas vezes fui forçado a resolver problemas humanos incomparavelmente mais difíceis do que aqueles que enfrentara para solucionar assuntos correcionais ou de sanidade mental: rixas familiares, neuroses, reações coletivas perigosas de grandes multidões, criminosos. Até então, estivera afastado de toda espécie de miséria humana que faz parte do dia a dia da vida de um policial. 

6 - Bondade em uniforme.

Freqüentemente, fiquei espantado com os sentimentos de humanidade e compaixão que pareciam caracterizar muitos dos meus colegas agentes da polícia. Conceitos que eu considerava estereotipados eram, muitas vezes, desmentidos por atos de bondade: um jovem policial fazendo respiração boca-a-boca num imundo mendigo, um veterano grisalho levando sacos de doces para as crianças dos guetos, um agente oferecendo a uma família abandonada dinheiro que provavelmente não voltaria a reaver. 
Em conseqüência de tudo isso, cheguei a humilhante conclusão de que tinha uma capacidade bastante limitada para suportar toda a tensão a que estava sujeito. Recordo em particular certa noite, em que o longo e difícil turno terminara com uma perseguição a um carro roubado. Quando largamos o serviço, eu me sentia cansado e nervoso. Com meu colega, estava me dirigindo para um restaurante a fim de comer qualquer coisa, quando ouvimos o som de vidros que se partiam,  proveniente de uma igreja próxima, e vimos dois adolescentes cabeludos fugindo do local. Nós os alcançamos e pedi a um deles que se identificasse. Ele me olhou com desprezo, xingou-me e virou as costas com intenção de se afastar. Não me lembro do que senti. Só sei que o agarrei pela camisa, colei seu nariz bem no meu e rosnei: "Estou falando com você, seu cretino!". Então meu colega me tocou no ombro, e  ouvi sua confortante voz me chamando à razão: "Calma, companheiro!" Larguei o adolescente e fiquei em silêncio durante alguns segundos. Depois me recordei de uma das minhas lições, na qual dissera aos alunos: "O sujeito que não é capaz de manter completo domínio sobre suas emoções, em todas as circunstâncias, não serve para policial". 

7 - Desafio complicado.

Muitas vezes perguntara a mim próprio: "Por que uma pessoa quer ser policial?" Ninguém está interessado em dar conselhos a uma família com problemas às três da madrugada de um domingo, ou em entrar às escuras num edifício que foi assaltado, ou em presenciar, dia após dia, a pobreza, os desequilíbrios mentais, as tragédias humanas. O que faz um policial suportar o desrespeito, as restrições legais, as longas horas de serviço com baixo salário, o risco de ser assassinado ou mutilado? 
A única resposta que posso dar é baseada apenas na minha curta experiência como policial. Todas as noites eu voltava para casa com um sentimento de satisfação e de ter contribuído com algo para a sociedade - coisa que nenhuma outra tarefa me havia dado até então.          
Todo agente de polícia deve compreender que sua aptidão para fazer cumprir a lei, com a autoridade que ele representa, é a única "ponte" entre a civilização e o submundo dos fora-da-lei. De certo modo, essa convicção faz com que todo o resto (o desrespeito, o perigo, os aborrecimentos) mereça que se façam quaisquer sacrifícios.