quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

POLÍCIA JUDICIÁRIA DEVERIA SER FUNÇÃO ESSENCIAL À JUSTIÇA


A Polícia Judiciária, atualmente como se encontra disposta no texto constitucional, é órgão destinado precipuamente à defesa do Estado, quando deveria ser entendida como função essencial à Justiça, adstrita apenas à apuração dos ilícitos penais, com estreita observância das leis e dos direitos e garantias individuais do cidadão. Entendemos que a Polícia Judiciária, portanto, encontra-se inserida na Constituição da República de maneira equivocada. Deveria ser removida do Título V da Constituição, que trata sobre a Defesa do Estado, e deveria ser incluída no Título IV, que trata da organização dos poderes, em especial no Capítulo IV que trata das funções essenciais à Justiça.
A Polícia Judiciária tem sido tratada pelos governantes como órgão que deve ser responsável apenas pela prevenção do crime, sendo dela exigida metas em número de prisões, operações com nomes mirabolantes e esclarecimentos rápidos de crimes que alcançam grande repercussão na mídia.
Essa forma de entender a Polícia Judiciária tem se mostrado bastante inapropriada, para dizer o mínimo, já que compromete a lisura e independência das investigações das infrações penais, causando injustiças e descrédito ao sistema de Justiça criminal como um todo. Sabemos que a identificação da autoria criminosa, com consequente condenação e encarceramento, é uma excelente maneira de prevenção da criminalidade, porém, é preciso muito cuidado para que a apuração seja feita da forma mais isenta e transparente possível, de modo a elevar o nível de credibilidade da Justiça criminal.
Como se sabe, a atuação da Polícia Judiciária ocorre depois da infração ser cometida e, portanto, se destina a apurar as circunstâncias, motivação e autoria de um determinado ilícito penal. Para isso, aquele que preside a investigação deve ter a serenidade e a imparcialidade necessárias para realizar uma correta e tranqüila coleta de indícios e provas que servirão, ao final, para embasar formal indiciamento, que se seguirá a eventual ação penal e, quiçá, futura condenação judicial. Além disso, ressaltamos que o Inquérito Policial, enquanto instrumento de busca da verdade real, deve ser conduzido de maneira isenta e imparcial, por que pode servir também para inocentar alguém injustamente apontado como suspeito da prática infracional.
Infelizmente, a atual situação jurídico-profissional do Delegado de Polícia – autoridade constitucionalmente erigida à condição de dirigente da Polícia Judiciária – está muito aquém de atender às reais necessidades da sociedade, que anseia por uma Justiça criminal insuspeita e de qualidade. Por esse mesmo raciocínio é que fica patente a inconstitucionalidade do entendimento segundo o qual a investigação criminal possa ser conduzida por instituição destinada a atuar como parte acusatória na fase processual, pelos óbvios motivos de que a imparcialidade e isenção necessárias na investigação, assim como aquela que seria necessária para o oferecimento da denúncia, estariam fatalmente comprometidas.
É necessário ressaltar que a prevenção criminal, naquilo que cabe ao Poder Executivo realizar, passa pelo estabelecimento de políticas claras e efetivas de segurança pública, entendendo-se como tal aquelas atividades que deveriam ser desempenhadas para a prevenção não apenas das infrações penais, mas de todas as demais ocorrências que podem representar risco para as pessoas, tais como incêndios, acidentes automobilísticos, enchentes, comércio e consumo de bebidas alcoólicas e drogas, especial proteção às crianças, idosos, deficientes e desabrigados, vigilância sanitária etc., além da prestação dos serviços necessários ao atendimento dos direitos sociais do cidadão, tais como oferecimento de condições dignas de moradia, saneamento básico, transporte público, educação, saúde etc.
À Polícia Judiciária deve incumbir, primordialmente, senão exclusivamente, a apuração das infrações penais de maneira isenta e com respeito às leis, direitos e garantias individuais, sem pressa em apontar culpados e de efetuar prisões. Para isso, deve possuir garantias e atribuições específicas para o bom desempenho dessa nobre função constitucional. Além disso, é preciso que haja total integração da Polícia Judiciária com o Poder Judiciário, assim como com a Defensoria Pública e o Ministério Público, para o melhor desempenho de suas atividades, as quais, por sua natureza, afetam direitos e liberdades civis, eis que envolvem medidas de exceção, tais como busca e apreensão domiciliares, prisões em flagrante e cautelares (temporárias e preventivas), quebra de sigilo nas comunicações etc.
Se houvesse essa integração com maior independência funcional, seria possível um melhor funcionamento do sistema de Justiça criminal, uma vez que as instituições, ao mesmo tempo em que desempenhariam suas atribuições de maneira independente, fiscalizar-se-iam mutuamente, realizando o tão almejado equilíbrio através do chamado sistema de freios e contrapesos, o que conferiria maior transparência e eficiência na prestação dos serviços públicos.
Emanuel Marcos Lopes, é delegado de Polícia paulista e mestre em Direito pela UNIMES.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

INQUÉRITO POLICIAL SOB A ÓTICA DO DELEGADO DE POLÍCIA

PUBLICAMOS ABAIXO O BRILHANTE TRABALHO DE AUTORIA DO DR. MÁRIO LEITE DE BARROS FILHO, QUE NOS REFORÇA A IDÉIA DE QUE A POLÍCIA JUDICIÁRIA É FUNÇÃO ESSENCIAL À JUSTIÇA CRIMINAL E ASSIM MERECE SER JURIDICAMENTE TRATADA.

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INQUÉRITO POLICIAL
SOB A ÓPTICA DO DELEGADO DE POLÍCIA


Mário Leite de Barros Filho
Delegado de Polícia do Estado de São Paulo, profes-sor universitário, autor de quatro obras na área do Di-reito Administrativo Disciplinar e da Polícia Judiciá-ria. Atualmente, exerce a atividade de assessor jurídi-co do gabinete do deputado federal Regis de Oliveira, em Brasília.
Dados para contato: email: mario.leite2@terra.com.br – fone: (61) 3215-5911.



Sumário:

1 – Introdução; 2 – Conceito; 3 – Necessida-de do Inquérito Policial; 4 – Fundamento de Validade; 5 – Natureza Jurídica; 6 – Finalidade; 7 – Processo ou Procedimento; 8 – Jurisdição e Competência; 9 – Valor Probatório na Busca da Verdade Real; 10 – Principais Características; 11 – Providências Preliminares; 12 – I-nício do Inquérito Policial; 13 – Rito; 14 – Incomunica-bilidade; 15 – Prazos para Encerramento; 16 – Conclu-são; 17 – Arquivamento; 18 – Inquéritos Extrapoliciais; 19 – Bibliografia.

Resumo:

Este trabalho estuda e analisa o inquérito po-licial sob a ótica do delegado de polícia.
A presente matéria, de maneira despretensiosa, procura adequar o instituto do inquérito policial à nova ordem jurídico-constitucional.
Este trabalho, divergindo da doutrina tradicional, con-sidera o inquérito policial como instrumento de promo-ção de justiça criminal, na medida em que este proce-dimento, durante a materialização da investigação cri-minal, concilia as garantias individuais da pessoa in-vestigada com o direito à segurança da população.

Palavras-chave: Inquérito Policial; Procedimento In-vestigatório; Investigação Criminal; Polícia Civil; Polí-cia Judiciária; Polícia Repressiva; Elucidação de Cri-mes; Direitos e Garantidas Individuais; Contraditório Mitigado; Ação Penal; Segurança Pública; e Justiça Criminal.
1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho procura, de maneira despretensiosa, adequar o conjunto de normas e princípios que fundamentam o inquérito policial ao ordenamento jurídico vigente, sob a ótica do delegado de polícia, com o objetivo de uniformizar os atos de polícia judiciária, que formalizarão a investigação criminal, padronizando a atuação e integrando a Polícia Civil brasileira.
A Constituição Federal de 1988, além de ampliar os direitos e ga-rantias individuais, estabeleceu um novo modelo de atuação estatal.
As Constituições anteriores estabeleciam apenas limites à atividade do Estado, protegendo os direitos e garantias individuais. São os direitos de defesa das pessoas com relação às violações praticadas pelos representantes do Estado, chamados “direitos negativos” ou “liberdades públicas”.
Com a evolução e humanização da sociedade, o Estado assumiu um novo papel no que se refere à proteção da dignidade humana.
O Estado deixou a posição de mero coadjuvante, assumindo a con-dição de protagonista da promoção e defesa dos direitos e garantias indivi-duais. São os denominados direitos positivos, pois reclamam não a absten-ção, mas a presença do Estado em ações voltadas à proteção destes direitos.
Por outro lado, a atividade de investigação criminal, principal atri-buição da Polícia Judiciária, pela sua natureza invasiva, viola, muitas ve-zes, direitos individuais das pessoas investigadas.
Em decorrência da característica invasiva, os princípios consagra-dos pela chamada “Constituição Cidadã”, notadamente, aqueles que tute-lam a dignidade humana, incidem sobre as atividades de Polícia Judiciária.

Entre estes dogmas constitucionais se destacam os seguintes princí-pios:
● Inviolabilidade da intimidade, da vida privada, honra e imagem das pessoas:
Art. 5º. (...) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indeniza-ção pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
● Inafastabilidade do controle do Poder Judiciário:
Art. 5º. (...) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
● Proíbe os chamados “juizados de exceção”:
Art. 5º. (...) XXXVII – não haverá juízo ou tribuna de exceção;
● Garantia do “sistema de persecução criminal acusatório”:
Art. 5º. (...) LIII – ninguém será processado nem sentenciado se-não pela autoridade competente;.
Art. 144. (...) § 4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvadas a competência da Uni-ão, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações pe-nais, exceto as militares.
● Devido processo legal:
Art. 5º. (...) LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;.
● Contraditório e ampla defesa:
Art. 5º. (...) LV – aos litigantes, em processo judicial ou adminis-trativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;.
● Presunção de inocência:
Art. 5º. (...) LVII – ninguém será considerado culpado até o trân-sito em julgado de sentença penal condenatória;
Neste contexto, a essência da Polícia Civil, o perfil do delegado de polícia, as características da investigação criminal e a natureza do inquérito policial precisaram se adequar aos princípios estabelecidos pela nova or-dem constitucional.
De um lado, a Polícia Civil, apesar de vinculada ao Poder Executi-vo, assumiu o papel de órgão auxiliar da justiça criminal.
De outro, o delegado de polícia se transformou em um operador do direito, que domina a ciência da investigação criminal, com a responsabili-dade de conciliar a segurança pública e a proteção da dignidade humana, no exercício da relevante atribuição de repressão criminal.
Por sua vez, a investigação criminal, realizada pela Polícia Judiciá-ria, se tornou uma garantia do cidadão contra imputações levianas e açoda-das em juízo, sem comprometer a sua finalidade precípua de elucidar as circunstâncias e a autoria dos delitos.

2. CONCEITO

A doutrina clássica considera o inquérito policial como um proce-dimento dispensável, de natureza inquisitiva, meramente preparatório da ação penal.
Os defensores dessa corrente entendem que o inquérito policial é apenas um conjunto de diligências investigatórias realizadas pela Polícia Judiciária, visando à apuração do crime e sua respectiva autoria.
Entretanto, diante da necessidade de compatibilizar a atuação da Polícia Judiciária com o ordenamento jurídico vigente, principalmente, no que se refere aos direitos individuais da pessoa investigada, o inquérito po-licial se revestiu de novo aspecto.
O inquérito policial se transformou em um instrumento de promo-ção de justiça criminal, por intermédio da busca da verdade real das cir-cunstâncias e da autoria dos delitos, realizado pela Polícia Civil, tendo co-mo destinatário o Poder Judiciário.
O procedimento que materializa as investigações criminais é consi-derado instrumento de promoção de justiça criminal, na medida em que concilia a defesa dos direitos e garantias individuais da pessoa investigada com a atividade de repressão criminal.
De outra parte, a elucidação do crime, por intermédio da busca da verdade real, revela o caráter imparcial da investigação realizada pela Polí-cia Judiciária.
Efetivamente, a Polícia Judiciária, por não ser parte, não se envolve e nem se apaixona pela causa investigada.
É importante consignar que o delegado de polícia não está vincula-do à acusação ou à defesa, pois, agindo como um magistrado, tem apenas compromisso com a verdade dos fatos.
Efetivamente, a Polícia Civil, não obstante esteja atrelada à estrutu-ra do Poder Executivo, exerce a atribuição de auxiliar da justiça criminal.
Neste sentido, vale lembrar que o ordenamento normativo brasileiro adotou o chamado “sistema de persecução criminal acusatório”.
Tal sistema se caracteriza por ter, de forma bem distinta, as figuras do profissional que:
● Investiga (delegado de polícia auxiliar do Poder Judiciário);
● Defende (Advogado);
● Acusa (integrante do Ministério Público); e
● Julga (magistrado) o crime.
O citado sistema oferece condições para o delegado de polícia tra-balhar sem a preocupação de produzir provas para absolver (defesa) ou condenar (acusação) o investigado.
Finalmente, em harmonia com as diretrizes da corrente doutrinária adotada neste trabalho, o destinatário do inquérito policial é o Poder Judici-ário, uma vez que as diligências investigatórias, realizadas para elucidar o crime, não têm como finalidade o oferecimento de denúncia pelo represen-tante do Ministério Publico ou a apresentação de defesa pelo advogado do investigado.
Como restou demonstrado, a investigação criminal visa à busca da verdade real do fato criminoso.
Ademais, o inquérito policial se destina ao Judiciário, porque é o Poder incumbido de verificar a legalidade dos atos de polícia repressiva.
Ressalte-se que tal assertiva está em consonância com o princípio da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário, previsto no Inciso XXXV, art. 5º, da CF.
Art. 5º. (...) XXXV – A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

3. NECESSIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL

Em razão da importância da questão da dispensabilidade do inquéri-to policial, o referido tema será tratado em um tópico específico neste tra-balho.
Atualmente, a doutrina tradicional entende que o inquérito policial, apesar de ser uma peça importante, não é imprescindível.
Os defensores dessa corrente alegam que o inquérito policial não é uma etapa obrigatória da persecução penal, pois poderá ser dispensado sempre que o integrante do Ministério Público ou o ofendido tiver elemen-tos suficientes para promover a ação penal.
Os doutrinadores baseiam tal entendimento no fato de o art. 12, do Código de Processo Penal, utilizar a expressão “sempre que”, que significa uma condição.
Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra. (grifei)
Da mesma forma, porque o art. 27, do CPP, que trata da delatio criminis postulatória, estabelece que qualquer um do povo poderá fornecer, por escrito, informações sobre o fato e a autoria, indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.
Essa circunstância significa, no entender de alguns estudiosos, que quando tais informações forem suficientes não é necessário o inquérito po-licial:
Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, forne-cendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indi-cando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. (grifei)
No mesmo sentido, o § 5º, do art. 39, do CPP, estabelece que o in-tegrante do Parquet dispensará o inquérito se forem apresentados elemen-tos suficientes para a propositura da ação:
Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoal-mente ou por procurador com poderes especiais, mediante declara-ção, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial.
§ 5º. O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 (quinze) dias. (grifei)
Finalmente, para os adeptos da aludida tese, o § 1º do art. 46, des-creve mais uma hipótese de dispensabilidade do inquérito policial:
Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 (cinco) dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 (quinze) dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.
§ 1º. Quando o Ministério Público dispensar o inquérito polici-al, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação. (grifei)
Coerente com as diretrizes anteriormente estabelecidas, principal-mente, no que se refere ao entendimento doutrinário que a investigação criminal, realizada pela Polícia Judiciária, se transformou em um instru-mento de defesa dos direitos e garantias individuais, adota-se nesta obra a posição jurídica de que o inquérito policial é necessário
De fato, o inquérito policial, nos dias de hoje, é uma ferramenta de efetivação dos direitos estabelecidos pelo devido processo legal.
Na verdade, o inquérito policial concretiza os direitos do due pro-cess of law, em primeiro lugar, porque impede que a ação penal seja desen-cadeada, de forma açodada e desnecessária, comprometendo indevidamente a credibilidade das pessoas.
Com efeito, depois da promulgação da chamada “Constituição ci-dadã”, não se admite nenhuma acusação desprovida de elementos de con-vicção.
Neste sentido, a Professora Ada Pellegrini Grinover leciona que:
“o processo criminal como sendo um dos maiores dramas para a pessoa humana; por isso é que se exige um mínimo de fumo do bom direito para sua instauração”.
Na mesma linha de raciocínio, observa-se na exposição de motivos do próprio Código de Processo Penal razões suficientes para considerar imprescindível o inquérito policial:
“... há em favor do inquérito policial, como instrução provisória antecedendo à propositura da ação penal, um argumento dificil-mente contestável: é ele uma garantia contra apressados e errô-neos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas. Por mais perspicaz e circunspeta, a autoridade que dirige a inves-tigação inicial, quando ainda perdura o alarma provocado pelo crime, está sujeita a equívocos ou falsos juízos a priori, ou a suges-tões tendenciosas. Não raro, é preciso voltar atrás, refazer tudo, para que a investigação se oriente no rumo certo, até então desper-cebido. Por que, então, abolir-se o inquérito preliminar ou instru-ção provisória, expondo-se a justiça criminal aos azares do deteti-vismo, às marchas e contramarchas de uma instrução imediata e única? Pode ser mais expedito o sistema de unidade de instrução, mas o nosso sistema tradicional, com o inquérito preparatório, as-segura uma justiça menos aleatória, mais prudente e serena.” (gri-fei)
Os direitos e garantias individuais, notadamente, os direitos à inti-midade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas são violados quan-do o integrante do Ministério Público, com suposto fundamento no art. 27 e § 5º, do art. 39, do Código de Processo Penal, dispensa o inquérito policial e oferece a denúncia com base apenas nas informações sobre o fato e auto-ria, muitas vezes infundadas, contidas em representação formulada por pes-soa do povo.
Em virtude dos danos que a instauração precipitada da ação penal acarretam, tais informações, de acordo com a nova ordem constitucional, precisam ser confirmadas pela Polícia Judiciária, antes de serem utilizadas pelo órgão da acusação.
Tal assertiva conduz à conclusão que os arts. 12; 27; o § 5º, do art. 39; o § 1º, do art. 46, todos do Código de Processo Penal, que consideram o inquérito policial um procedimento dispensável, não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988.
Como se sabe, o fenômeno da recepção assegura a preservação do ordenamento jurídico anterior e inferior à nova Constituição, desde que, com ela, se mostre materialmente compatível.
Com efeito, a doutrina ensina que, quanto às leis infraconstitucio-nais que foram editadas sob fundamento de validade de Constituição ante-rior, não haverá necessidade de votação de novas leis, tendo em vista que, se uma determinada lei editada antes for compatível com a nova Constitui-ção, será recepcionada por esta, possuindo, então, um novo fundamento de validade.
Por outro lado, caso as leis infraconstitucionais não sejam compatí-veis com a nova Constituição, perderão a validade.
Assim, um dispositivo que não for recepcionado será considerado inválido.
Os aludidos preceitos não foram recepcionados pela nova Carta Po-lítica, consequentemente perderam a sua validade.
Em suma, os dispositivos do Código de Processo Penal, que consi-deram dispensável o inquérito policial, apesar de não terem sido revogados por uma lei posterior, não têm validade, porque não estão em harmonia com a nova Carta Política.
Nesta linha de raciocínio, Luiz Flávio Borges D'Urso entende que o inquérito policial é indispensável:
“Fico a meditar sobre a origem do inquérito policial, sua utili-dade e conveniência e invariavelmente concluo por sua indispen-sabilidade como supedâneo a enfeixar as provas que são produzi-das durante esta importante fase, que é preliminar ao processo criminal, aliás, talvez a fase que justifique o próprio processo.” (grifei)
Mais adiante, o conceituado advogado arremata:
“Assim, nos poucos casos em que o inquérito policial foi dispen-sado, observamos um descrédito na polícia e na Justiça, aumen-tando a sensação de impunidade, tão alardeada no país. (grifei)
Ora, dessa forma, advogar a eliminação do procedimento admi-nistrativo policial, penso ser um desserviço à nação, pois por meio do Inquérito é que se dá o suporte às provas produzidas e mais, por ele se revela uma cerimônia pré-processual, que tenho como indis-pensável à credibilidade da Justiça,...
Afastada a ideia da eliminação do inquérito policial, reforcemos os mecanismos de investigação no bojo desse procedimento, melho-rando-o e aperfeiçoando-o, com o fito de prestigiar a própria Justi-ça.”

4. FUNDAMENTO DE VALIDADE

O inquérito policial é fruto da evolução do sumário de culpa, docu-mento elaborado pelos juízes de paz à época da promulgação do Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871, que regulamentou a Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871.
Atualmente, os arts. 4º a 23, do CPP, são as principais normas que fundamentam e disciplinam o inquérito policial.
De outra parte, é importante enfatizar que o inquérito policial tem previsão constitucional.
Efetivamente, o inciso VIII, do art. 129, da CF, menciona expres-samente o inquérito policial.
Art. 129. (...) VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurí-dicos de suas manifestações processuais. (grifei)
Pelo fato de ter previsão constitucional e ser considerado uma ga-rantia do devido processo legal, defende-se neste trabalho a tese da impos-sibilidade de aprovação de projeto de lei com proposta de extinção do in-quérito policial, até mesmo por intermédio de proposta de emenda à Cons-tituição – PEC, porque essa iniciativa restringe direitos individuais, situa-ção que viola cláusula pétrea prevista no inciso IV, do § 4º, do art. 60, da Constituição Federal:
Art. 60. (...)
§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda ten-dente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais. (grifei)
A investigação criminal, realizada por intermédio de inquérito poli-cial, como foi afirmado, constitui uma das garantias do devido processo legal, instituto relacionado expressamente como direito fundamental no in-ciso LIV, do art. 5º, da Magna Carta.
Destaque-se que a referida matéria foi disciplinada no art. 5º, da Magna Carta, que se refere aos direitos e garantias individuais, justamente porque o poder constituinte originário teve a intenção de impedir que o te-ma fosse objeto de restrição, limitação ou mesmo alteração.
Tal circunstância impede a aprovação de norma que venha a supri-mir ou limitar o conjunto de direito e garantias individuais que compõe o devido processo legal, em virtude das chamadas vedações materiais.
Neste sentido, a lição ministrada por Alexandre de Moraes:
“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, uni-versal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garanti-as individuais. Tais matérias formam o núcleo intangível da Cons-tituição Federal, denominado tradicionalmente por ‘cláusulas pé-treas’.” (grifei)
Corroborando tal entendimento, o Professor José Afonso da Silva ensina:
“É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressa-mente declarem: fica abolida a Federação ou a forma federativa de Estado’, ‘fica abolido o voto direto...’, ‘passa a vigorar a concentra-ção de Poderes’, ou ainda ‘fica extinta a liberdade religiosa, ou de comunicação..., ou o habeas corpus, o mandado de segurança...’. A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento concei-tual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa, ou de comunicação ou outro direito e garantia individual; basta que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente, ‘tenda’ (emendas tendentes, diz o texto) para a sua abolição.”
Isto significa que, em tese, somente novo poder constituinte origi-nário teria a legitimidade para suprimir a investigação criminal, por inter-médio do inquérito policial, do sistema normativo brasileiro.

5. NATUREZA JURÍDICA

A doutrina tradicional atribui ao inquérito policial a natureza jurídi-ca de procedimento persecutório, pois, segundo os adeptos dessa corrente, o conjunto de diligências investigatórias busca a satisfação do jus puniendi.
De acordo com tal entendimento, a persecução criminal é a ativida-de estatal que inicia com a instauração do inquérito policial, conhecido, também, como informatio delicti, e tem como principal finalidade a puni-ção do autor do delito.
Contudo, o mencionado entendimento não está em consonância com a corrente doutrinária esposada nesta obra, que defende opinião no sentido de que o inquérito, em vez de perseguir a punição do autor do deli-to, procura revelar a verdade real dos fatos, como forma de promover a jus-tiça criminal.
Efetivamente, o inquérito policial tem um aspecto mais amplo, não se restringe a satisfação do jus puniendi. O delegado de polícia, na busca da verdade real verifica, também, a tipicidade do fato, a existência de causas excludentes de antijuridicidade e culpabilidade do autor do delito.
Na realidade, o órgão responsável pela persecução criminal é o Mi-nistério Público, que encarregado da acusação, procura a condenação do suposto autor do crime.
Portanto, a natureza jurídica do inquérito policial é de um procedi-mento necessário, de caráter administrativo e natureza relativamente inqui-sitiva, realizado pela Polícia Judiciária e presidido por delegado de polícia de carreira.

6. FINALIDADE

Os doutrinadores clássicos, com fundamento na interpretação equi-vocada dos arts. 4º e 12, do CPP, sem levar em conta a nova ordem jurídico-constitucional, afirmam que a finalidade do inquérito policia é a apuração da existência de infração penal e a respectiva autoria, para fornecer ao represen-tante do Ministério Público elementos mínimos para a propositura da ação penal:
Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades poli-ciais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.
Em consonância com a corrente doutrinária adotada nesta obra, a principal finalidade do inquérito policial é elucidar as circunstâncias e a autoria do delito, em busca da verdade real, para promover a justiça crimi-nal.
A promoção de justiça criminal, no contexto do trabalho realizado pela Polícia Civil, consiste na conciliação dos direitos e garantias individu-ais da pessoa investigada com o direito à segurança pública da população.
Em expressões menos técnicas, significa que o inquérito policial não é realizado com o único propósito de colher elementos de convicção, para o Ministério Público formular a denúncia e desencadear a ação penal.
De forma didática, a finalidade do inquérito policial divide-se em:
● finalidade principal: elucidação das circunstâncias e autoria do delito para a aplicação da lei penal e a proteção dos direitos fun-damentais da pessoa investigada; e
● finalidade secundária: produzir subsídios para a propositura da ação penal pelo representante do Ministério Público ou pelo o-fendido, bem como para embasar a defesa do suposto autor do crime.

7. PROCESSO OU PROCEDIMENTO

O inquérito policial é um procedimento, porque enfeixa um conjun-to de diligências investigatórias voltadas à elucidação das infrações penais, sem observar um rito formal e determinado.
Em outras palavras, é uma sequência de atos de Polícia Judiciária destinados ao esclarecimento das circunstâncias e da autoria do delito.
É importante salientar que o inquérito policial não pode ser conside-rado um processo, uma vez que sua essência não se ajusta à acepção jurídi-ca dessa expressão, principalmente, porque o delegado de polícia, durante a formalização dos elementos de convicção, não observa integralmente os princípios do contraditório, da ampla defesa e demais formalidades dos atos processuais.
Isto significa que a inobservância dos princípios do contraditório e da ampla defesa e a ausência de rito formal e determinado, no momento da materialização da investigação, impedem que se atribua ao inquérito polici-al a condição de instrução criminal.

8. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA

Vele lembrar que o caput, do art. 4º, do CPP, usava, de forma ina-dequada, o termo “jurisdição”.
A Lei nº 9.043, de 9 de maio de 1995, substituiu o termo “jurisdi-ção” pela expressão “circunscrição”, entendida como os limites territoriais dentro dos quais a polícia realiza suas funções atribuições.
O termo jurisdição designa a atividade por meio da qual o Estado, em substituição às partes, declara a preexistente vontade da lei ao caso con-creto:
Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades poli-ciais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (grifei)
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não exclu-irá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
É oportuno esclarecer, também, que o parágrafo único, do citado ar-tigo, dispõe que: “a competência definida neste artigo não excluirá a de au-toridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”.
É importante consignar que a autoridade policial não tem compe-tência, mas sim atribuições.
O termo competência, empregado no parágrafo único, do art. 4º, do CPP, deve ser entendido como poder conferido a alguém para conhecer de-terminados assuntos, não se confundindo com competência jurisdicional, que é a medida concreta do poder jurisdicional.
De outra parte, a atribuição para presidir o inquérito policial é con-ferida aos delegados de polícia pelos §§ 1º e 4º, do art. 144, da CF, e fixada conforme as normas de organização policial dos Estados.
A atribuição é fixada aos delegados de polícia obedecendo aos se-guintes critérios:
● Critério de divisão territorial: unidades de base territorial pelo lu-gar da consumação da infração (ratione loci). Exemplo: Distrito Policial da área;
● Critério de divisão em razão da matéria: unidades especializadas pela natureza do delito (ratione materiae). DHPP, DEIC, DE-NARC; e
● Critério de divisão em razão da pessoa: unidades especializadas pela condição da vítima (ratione personae). DDM.
Havendo indícios de que a infração penal foi praticada por policial ou tendo a sua participação, a autoridade policial que tomar conhecimento do fato deverá comunicar imediatamente a ocorrência à respectiva correge-doria-geral de polícia, para as providências cabíveis na esfera penal e disci-plinar.
A autoridade policial, em regra, não poderá praticar qualquer ato fo-ra dos limites de sua circunscrição, sendo necessário:
● se o delito ocorrer em outro país: carta rogatória;
● se o delito ocorrer em outra comarca: carta precatória; e
● se o delito ocorrer no DF ou em circunscrição diferente, mas den-tro da mesma comarca, não precisa de nenhuma carta, nos termos do art. 22, do CPP:
Art. 22. No Distrito Federal e nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial, a autoridade com exercício em uma delas poderá, nos inquéritos a que esteja procedendo, ordenar dili-gências em circunscrição de outra, independentemente de precató-rias ou requisições, e bem assim providenciará, até que compareça a autoridade competente, sobre qualquer fato que ocorra em sua presença, noutra circunscrição.

9. VALOR PROBATÓRIO NA BUSCA DA VERDADE REAL

Os elementos de convicção produzidos no inquérito policial têm va-lor probatório relativo, pois não são colhidos sob a integral proteção dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Quando se afirma que os elementos de convicção produzidos no in-quérito policial têm valor probatório relativo pretende-se dizer que a vali-dade desse material depende da compatibilidade com as provas colhidas na fase judicial.
Em razão do sistema do livre convencimento motivado, adotado no ordenamento normativo vigente, as informações produzidas na fase inquisi-tiva deverão ser confrontadas com as provas colhidas na etapa do contradi-tório, verificando se existe entre elas consonância.
Neste sentido, recentemente, a Lei nº 11.690, de 09 de junho de 2008, alterou a redação do art. 155, do Código de Processo Penal, estabele-cendo que o juiz não poderá fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação criminal, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamen-tar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhi-dos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetí-veis e antecipadas. (grifei)
É relevante registrar que a utilização do advérbio “exclusivamente” no caput do art. 155, do CPP, é uma demonstração inequívoca que o juiz poderá se valer, também, dos elementos de informações produzidos no in-quérito policial para fundamentar sua decisão.
Em expressões menos técnicas, significa que a alteração legislativa em tela valorizou o inquérito policial, possibilitando que o material colhido durante a fase inquisitiva seja levado em consideração pelo magistrado na formação de sua convicção.
Por outro lado, o novo texto do caput do art. 155, do CPP, atribui valor às provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, coligidas no inqué-rito, concedendo às partes o direito ao contraditório, na fase judicial.
As provas cautelares são aquelas que precisam ser produzidas por-que podem perecer, ser alteradas ou destruídas em razão do tempo. Exem-plo: busca e apreensão, interceptação telefônica.
Entende-se por prova não repetível aquela que não pode mais ser reproduzida em juízo, em virtude do desaparecimento da fonte probatória. Exemplos: desaparecimento de vestígios do crime, falecimento de testemu-nha, etc.
Pelos motivos expostos, esses elementos de convicção sofrem ante-cipação do momento de sua realização.

10. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

As principais características do inquérito policial são:

10.1. Procedimento escrito – consoante se infere do art. 9.º do CPP:

Art. 9º. Todas as peças do inquérito policial serão, num só pro-cessado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubri-cadas pela autoridade. (grifei)
Entretanto, com a evolução dos meios de comunicação e a instala-ção do denominado processo virtual, atualmente, a Polícia Federal e a Polí-cia Civil de alguns Estados realizam o chamado “inquérito policial eletrô-nico”.
O inquérito policial eletrônico consiste na digitalização de todas as informações e dados da investigação criminal pela Polícia Judiciária e o envio online deste material ao Poder Judiciário, para avaliação do magis-trado e representante do Ministério Público.
A adoção desse novo método de trabalho proporciona uma ativida-de de Polícia Judiciária mais célere, eficiente, segura e econômica, substitu-indo o tradicional inquérito materializado em meio físico por apuração di-gitalizada.
O inquérito policial virtual cria condições para o juiz acompanhar online a produção das informações e verificar a legalidade da investigação criminal.
Acrescente-se, ainda, que o art. 30, do Projeto de Lei nº 156/2009 (reforma do Código de Processo Penal), que tramita no Senado Federal, modernizando o inquérito policial, flexibiliza as formas de materialização desse procedimento:
Art. 30. No inquérito, as diligências serão realizadas de forma objetiva e no menor prazo possível, sendo que as informações e de-poimentos poderão ser tomados em qualquer local, cabendo à au-toridade policial resumi-los nos autos com fidedignidade, se colhi-dos de modo informal.
§ 1º. O registro do interrogatório do investigado, das declara-ções da vítima e dos depoimentos das testemunhas poderá ser feito por escrito ou mediante gravação de áudio ou filmagem, com o fim de obter maior fidelidade das informações prestadas. (grifei)
§ 2º. Se o registro se der por gravação de áudio ou filmagem, o investigado ou o Ministério Público poderão solicitar a sua trans-crição.

10.2. Procedimento sigiloso – conforme se observa do art. 20, do CPP:

Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessá-rio à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. (grifei)
O art. 20, do CPP, aponta os motivos do caráter sigiloso do inquéri-to policial:
● Necessário para preservar os direitos da pessoa investigada;
● Imprescindível para a elucidação do fato criminoso; e
● Preciso para atender aos interesses da sociedade.
Efetivamente, o sigilo assegurado no inquérito visa garantir o direi-to à intimidade, vida privada, honra e a imagem, consagrado no inciso X, do art. 5º, da CF.
Da mesma forma, o sigilo está em consonância com o princípio da presunção da inocência, previsto no inciso LVII, do art. 5º, da CF.
O sigilo, também, é imprescindível para a realização das diligências destinadas à elucidação das circunstâncias e da autoria do crime.
Finalmente, serve para atender aos interesses da sociedade, diante da repercussão que o delito causa ao meio social.
A doutrina tem debatido sobre a extensão desta medida restritiva. Principalmente, se o sigilo do inquérito policial alcança o advogado da pes-soa investigada?
O Supremo Tribunal Federal decidiu que o sigilo do inquérito poli-cial não atinge aos advogados, tendo em vista o direito e a garantia indivi-dual à ampla defesa do investigado.
O STF entende que o defensor sempre poderá ter acesso a todas as informações que estiverem inseridas nos autos, inclusive às provas sigilo-sas.
Neste sentido, o STF editou a súmula vinculante nº 14, que dispõe sobre o acesso do advogado às informações contidas no inquérito policial.
Súmula vinculante nº 14
“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedi-mento investigatório realizado por órgão com competência de polí-cia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”
Vale lembrar que os incisos XIII a XV, e o § 1º, do art. 7º, da Lei 8.906/1994, Estatuto da OAB, garantem este direito ao advogado da pessoa investigada.
Trata-se de uma prerrogativa profissional do advogado.
Entretanto, a doutrina, com base no interesse público e na natureza semi-inquisitiva do inquérito policial, entende que o advogado, não pode acompanhar a realização da investigação criminal, que não exija a presença do defensor.

10.3. Procedimento relativamente inquisitivo

A doutrina tradicional sempre ensinou que o inquérito policial é um procedimento totalmente inquisitivo, diante da inexistência de acusação formal e contraditório nesta etapa.
Entretanto, em sintonia com a corrente doutrinária adotada neste trabalho, que considera o inquérito policial como instrumento de promoção de justiça criminal, defende-se posição no sentido de que o inquérito é um procedimento relativamente inquisitivo, diante da necessidade de propor-cionar ao investigado o chamado “contraditório mitigado”
De fato, o inciso LIV, do art. 5º, da Magna Carta, determina que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Indiscutivelmente, quando a pessoa passa da condição de suspeita para investigada ou indiciada (na fase inquisitiva) ou de acusada (na etapa do contraditório) sofre um prejuízo imensurável no seu patrimônio moral.
Sem dúvida, o patrimônio moral compõe o acervo de bens da pes-soa.
Logo, antes de sofrer tal prejuízo com a alteração do status de sus-peita para investigada ou indiciada, a pessoa tem o direito constitucional de postular a realização de diligências no sentido de refutar as acusações que incidem contra ela, por intermédio do “contraditório mitigado” no inquérito policial.
Isto significa que é preciso dotar o inquérito policial do “contraditó-rio mitigado”, sem retirar a natureza inquisitiva deste instituto, proporcio-nando à defesa, em igualdade de condições com a acusação, a oportunidade de participar da fase que antecede o indiciamento da pessoa suspeita da prática do crime, procurando demonstrar a inocência do investigado.
Da mesma forma, é possível o exercício do “contraditório mitiga-do” no inquérito policial por ocasião da produção de provas cautelares, que não serão refeitas no processo crime.
Confirmando a tendência de proporcionar ao investigado a oportu-nidade de participar da produção dos elementos de convicção no inquérito policial, o art. 27, do Projeto de Lei nº 156/2009 (reforma do Código de Processo Penal), que tramita no Senado Federal, adequando o instituto à nova ordem jurídica constitucional, estabelece:
Art. 27. A vítima, ou seu representante legal, e o investigado po-derão requerer à autoridade policial a realização de qualquer di-ligência, que será efetuada, quando reconhecida a sua necessidade. (grifei)
§ 1º. Se indeferido o requerimento de que trata o caput deste ar-tigo, o interessado poderá representar à autoridade policial supe-rior ou ao Ministério Público.
Corroborando a tese aqui adotada, saliente-se que a ausência de a-cusação formal no inquérito policial não impede que os direitos do investi-gado sejam respeitados, entre eles, se destacam: o direito ao silêncio, o de não se auto-incriminar, o de ser tratado com dignidade e respeito, o de refu-tar as acusações que lhe são imputadas, por intermédio do “contraditório mitigado”, etc.
Em decorrência da natureza relativamente inquisitiva do inquérito policial não pode ser arguida suspeição da autoridade policial, consoante se infere do art. 107, do CPP.
Art. 107. Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.
Ainda sobre a natureza relativamente inquisitiva do inquérito, o art. 14, do CPP, estabelece que a autoridade policial pode indeferir qualquer pedido de diligência.
Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.
Contudo, o art. 184, do CPP, determina que a diligência de exame de corpo de delito não pode ser indeferida pela autoridade policial.
Art. 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quan-do não for necessária ao esclarecimento da verdade.
Finalmente, em virtude da natureza relativamente inquisitiva do in-quérito policial, a presença de advogado não é obrigatória durante a materi-alização dos elementos de convicção da investigação criminal, mas reveste de credibilidade os atos de Polícia Judiciária.

10.4. Oficiosidade – de acordo com o inciso I, do art. 5º, do CPP:

Art. 5º. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será ini-ciado:
I – de ofício; (...).(grifei)
Tal característica encontra seu fundamento de validade no princípio da obrigatoriedade ou legalidade.
O princípio da obrigatoriedade ou legalidade dispõe que, na hipóte-se de crime de ação penal pública incondicionada, o delegado de polícia é obrigado (tem o dever de) a instaurar o inquérito policial ex officio, inde-pendente de qualquer tipo de provocação.

10.5. Oficialidade e Autoritariedade – conforme se verifica dos §§ 1º e 4º, do art. 144, da CF:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e res-ponsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
§ 1º. A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, desti-na-se a:
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras in-frações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacio-nal e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e dro-gas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fa-zendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de com-petência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. (...)
§ 4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de car-reira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
O caráter de oficialidade e autoritariedade do inquérito policial sig-nifica que este procedimento é realizado por órgão público oficial, a Polícia Judiciária, e presidido por uma autoridade pública, o delegado de polícia de carreira, de natureza jurídica.
Por analogia aos direitos individuais, consagrados nos incisos XXXVII e LIII, do art. 5º, da CF, que proíbem o chamado “juizados de ex-ceção”, a pessoa, antes de cometer o crime, tem o direito de saber:
● Qual o procedimento utilizado para formalizar a investigação criminal (inquérito policial);
● Qual o órgão responsável para realizar este procedimento (Polí-cia Judiciária); e
● Qual o servidor responsável pela apuração e formalização das circunstâncias e autoria do delito (delegado de polícia).
De outra parte, apesar de a investigação particular não ser proibida no Brasil, para que tal material tenha validade deverá ser apresentado à Po-lícia Judiciária, visando à confirmação dos dados e informações obtidos de forma lícita.

10.6. Indisponibilidade – consoante se infere do art. 17, do art. CPP:

Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.
Isto significa que, uma vez instaurado o inquérito policial, o dele-gado de polícia não pode determinar o seu arquivamento.
O art. 28, do CPP, confere ao juiz a atribuição para arquivar o in-quérito policial.
Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar im-procedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou pe-ças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denún-cia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

11. PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES

O art. 6º, do CPP, estabelece um verdadeiro roteiro dos atos que de-vem anteceder a instauração do inquérito policial.
Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração pe-nal, a autoridade policial deverá:
I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos crimi-nais;
II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
IV – ouvir o ofendido;
V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o res-pectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que lhe te-nham ouvido a leitura;
VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acarea-ções;
VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo dati-loscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antece-dentes;
IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vis-ta individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitu-de e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quais-quer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.

12. INÍCIO DO INQUÉRITO POLICIAL

Este tópico é dedicado ao estudo das formas pelas quais o inquérito policial se inicia.
Para integral compreensão das formas pelas quais o inquérito poli-cial se inicia, antes, é necessário realizar breve introdução a respeito da no-titia criminis e da ação penal, temas relacionados à questão principal.
12.1. Notícia Criminis

A notitia criminis é a forma pela qual a autoridade policial toma conhecimento de um fato delituoso.
A ciência da notícia de um crime, dependendo das circunstâncias, pode ocorrer de maneira espontânea ou provocada.
Didaticamente a notitia criminis é dividida em três espécies:
● Notitia Criminis de cognição direta, imediata, espontânea;
● Notitia Criminis de cognição indireta, mediata; e
● Notitia Criminis de cognição coercitiva.

Notitia Criminis de cognição direta, imediata, espontânea:
Ocorre quando o delegado de polícia toma conhecimento direto do ilícito penal por meio do exercício de suas atribuições.
Dentre outras hipóteses, se destacam o conhecimento por intermé-dio do policiamento repressivo realizado pela Polícia Judiciária, com a lo-calização do corpo de delito; de matéria publicada pelos órgãos de comuni-cação; e da denominada denúncia anônima.
Por oportuno, saliente-se que a denúncia anônima ou apócrifa é chamada também como notitia criminis inqualificada.

Notitia Criminis de cognição indireta, mediata:
Acontece quando o delegado de polícia fica sabendo do crime por intermédio de comunicação oficial ou formal.
Por sua vez a notitia criminis de cognição indireta e mediata se subdivide em:
● Notitia criminis de cognição provocada ou qualificada, quando a autoridade policial toma conhecimento do fato por requisição do juiz ou do representante do Ministério Público; e
● Delatio criminis, quando a comunicação é feita por intermédio do requerimento formulado pela vítima ou por qualquer um do povo, contendo a narração do fato com todas as circunstâncias, a individualização do suspeito e a indicação das provas.
Saliente-se que quando a delatio criminis for subscrita pelo reque-rente recebe o nome jurídico de notitia criminis qualificada.
A delatio criminis pode ser:
● Simples: quando apenas comunica o fato; e
● Postulatória: quando, além de comunicar o fato, postula a adoção de medidas.
Notitia Criminis de cognição coercitiva:
Ocorre com a prisão em flagrante, hipótese em que o delegado de polícia toma conhecimento do crime no momento da prisão ou apresenta-ção do autor do crime.

12.1. Ação Penal

A ação penal é o instrumento pelo qual o Estado verifica a veraci-dade da imputação formulada pelo representante do Ministério Público, que recai sobre o acusado da prática de ato tipificado como crime, com a con-sequente imposição de pena.
O art. 100, do Código Penal, classifica a ação penal em:
● Ação penal pública; ou
● Ação penal de iniciativa privada.
A ação penal pública tem como titular exclusivo o representante do Ministério Público, isto é, somente o membro do Parquet tem legitimidade ativa para propor tal ação.
Por sua vez a ação penal pública subdivide-se em:
● Ação penal pública incondicionada; e
● Ação penal pública condicionada.
A ação penal é pública incondicionada quando o membro do Minis-tério Público não depende de qualquer condição de procedibilidade para agir.
A ação penal é pública condicionada quando o representante do Ministério Público depende de certas condições de procedibilidade para ingressar em juízo.
As condições exigidas por lei podem ser a:
● Representação do ofendido; ou
● Requisição do Ministro da Justiça.
A representação do ofendido é a manifestação da vítima ou de seu representante legal, autorizando o delegado de polícia a investigar o crime e o membro do Ministério Público a ingressar com a ação penal respectiva.
A requisição do Ministro da Justiça é o ato político e discricionário pelo qual o Ministro da Justiça autoriza o representante do Ministério Pú-blico a propor a ação penal pública nas hipóteses legais.

12.2. Inícios do Inquérito nos crimes de Ação Pública Incondicionada

Consoante se infere dos incisos I e II e dos §§ 1º e 2º, do art. 5º, do CPP, o inquérito policial nos crimes de ação pública incondicionada se ini-ciam das seguintes formas:
● de ofício (iniciativa da própria autoridade policial) por auto de prisão em flagrante, portaria e despacho do delegado de polícia;
● por requisição do juiz ou representante do Ministério Público; e
● pela delatio criminis (requerimento da vítima ou de qualquer ou-tra pessoa).
Art. 5º. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será ini-ciado:
I – de ofício;
II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministé-rio Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver quali-dade para representá-lo.
§ 1º. O requerimento a que se refere o nº II conterá sempre que possível:
a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;
b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da in-fração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;
c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.
§ 2º. Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.

12.2.1. Início de ofício, mediante auto de prisão em flagrante, portaria ou por despacho do delegado de polícia
Tendo em vista o princípio da obrigatoriedade e da oficialidade, pre-visto no inciso I, do art. 5º, do CPP, o inquérito policial deve ser instaurado a partir do momento em que a autoridade policial tomou conhecimento do fato criminoso.
A portaria da autoridade policial deverá descrever, na medida do possível, as circunstâncias e os dados conhecidos do crime e de seu autor.
Além disso, a peça inicial do inquérito policial deverá enquadrar a conduta do agente ao tipo penal.
Tais informações são os parâmetros da investigação criminal, que pretende responder as seguintes indagações:
● Qual o crime?
● Quando ocorreu?
● Onde ocorreu?
● Como foi praticado?
● Por quê?
● Quem é a vítima?
● Quem é o autor do Crime?

12.2.2. Início por requisição do Juiz ou do representante do Ministério Público Conforme determina os arts. 5º e 40, do CPP e inciso VIII, do art. 129, da CF.
Código de Processo Penal
Art. 5º. (...) II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem ti-ver qualidade para representá-lo.
Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juí-zes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos neces-sários ao oferecimento da denúncia.
Constituição Federal
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de in-quérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas mani-festações processuais;
O inquérito policial, nestes casos, somente se inicia com o despacho da autoridade, declarando a sua instauração.
Isto significa que a requisição do juiz ou do representante do Minis-tério Público não tem o poder de desencadear o inquérito, que depende da decisão do dirigente da Polícia Judiciária.
É importante esclarecer que a doutrina tradicional, de forma equi-vocada, sempre ensinou que autoridade policial não pode se recusar a ins-taurar o inquérito, pois a requisição tem natureza de determinação, de or-dem, muito embora inexista subordinação hierárquica.
Com o devido respeito, esse entendimento jurídico está superado, uma vez que o delegado de polícia não pode ser transformado em um ser autômato, que obedece cegamente a ordem do juiz ou promotor de justiça, sem questionar e analisar o teor da determinação.
Com fundamento nesta nova orientação doutrinária, a autoridade policial, em casos excepcionais, poderá deixar de instaurar inquérito polici-al, requisitado pelo magistrado ou membro do Parquet, dentre outras hipó-teses, quando o fato noticiado não constituir crime.
Ressalte-se, entretanto, que o desconhecimento das circunstâncias do crime e da sua autoria não pode ser alegado pela autoridade policial, pa-ra deixar de atender a requisição de instauração do inquérito.
De outra parte, o delegado de polícia deverá adotar as providências necessárias para evitar que o representante do Ministério Público, ao requi-sitar a instauração de inquérito policial, assuma indiretamente a presidência do feito, determinando as diligências e estabelecendo regras como a autori-dade policial deve apurar o delito.

12.2.3. Início pela delatio criminis, quando a comunicação de um crime é feita pela vítima ou qualquer um do povo
Na hipótese de a autoridade policial indeferir o pedido de instaura-ção de inquérito formulado pela vítima ou por qualquer outra pessoa, cabe-rá recurso ao Chefe de Polícia, nos termos do § 2º, do art. 5º, do CPP.
Art. 5º. (...) § 2º. Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.
A doutrina entende que tal recurso poderá ser encaminhado ao su-perior imediato, Delegado de Polícia que detém a chefia da Polícia Judiciá-ria (no Estado de São Paulo o cargo é denominado Delegado Geral de Polí-cia e nos outros Estados da Federação o cargo é chamado de Chefe de Polí-cia) ou ao superior hierárquico mediato, Secretário responsável pela Pasta da Segurança Pública.
A delatio criminis é mera faculdade atribuída a qualquer um do po-vo no sentido de auxiliar a atividade repressiva exercida pela Polícia Judi-ciária.
Entretanto, há algumas pessoas que, em razão do seu cargo ou da sua função, estão obrigadas a notificar no desempenho de suas atividades.
Entre estes casos, se destacam:
● Incisos I e II, do art. 66, da Lei das Contravenções Penais.
Omissão de comunicação de crime
Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:
I – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de repre-sentação;
Il – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercí-cio da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal:
Pena – multa.
● Art. 45, da Lei nº 6.538/1978 (Lei que dispõe sobre os serviços postais)
Art. 45. A autoridade administrativa, a partir da data em que ti-ver ciência da prática de crime relacionado com o serviço postal ou com o serviço de telegrama, é obrigada a representar, no prazo de 10 (dez) dias, ao Ministério Público Federal contra o autor ou autores do ilícito penal, sob pena de responsabilidade.

12.3. Início do Inquérito nos crimes de ação pública condicionada

O inquérito policial nos crimes de ação pública condicionada se ini-cia:
● por representação do ofendido ou de seu representante legal.
A representação é simples manifestação de vontade da vítima ou de seu representante legal.
A doutrina não exige que tal documento se revista de maiores for-malidades, basta que o ofendido autorize expressamente a Polícia Judiciária instaurar inquérito policial, para apuração do delito.
● por requisição do Ministro da Justiça.
Tal documento deve ser encaminhado ao chefe do Ministério Públi-co, que requisitará diligências à Polícia Judiciária, no sentido de elucidar as circunstâncias e a autoria do delito.
O inquérito policial nos crimes de ação pública condicionada à re-presentação também pode começar mediante auto de prisão em flagrante. Neste caso, a vítima deverá ratificar o flagrante até a entrega da nota de culpa, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

12.4. Início do Inquérito nos crimes de ação privada

O inquérito policial nos crimes de ação privada se inicia com a a-presentação do requerimento do ofendido, de seu representante legal ou sucessores, conforme estabelecem o § 5º, do art. 5º e os arts. 30 e 31, do CPP.
Art. 5º. (...) § 5º. Nos crimes de ação privada, a autoridade poli-cial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.
Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para represen-tá-lo caberá intentar a ação privada.
Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado au-sente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosse-guir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou ir-mão.
Vale lembrar que o art. 35, do CPP, que estabelecia que a mulher casada não podia exercer o direito de queixa sem consentimento da marido, salvo quando estivesse dele separada ou quando a queixa fosse contra ele, foi revogado pela Lei nº 9.520/1997, uma vez que o mencionado dispositi-vo contrariava o § 5º, do art. 226, da Constituição Federal.
O § 5º, do art. 226, da Carta Magna, dispõe que os direitos e deve-res referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
De outra parte, o inquérito policial nos crimes de ação privada, após o relatório final, será encaminhado ao juízo competente ou será entregue ao requerente, nos termos do art. 19, do CPP.
Art. 19. Nos crimes em que não couber ação pública, os autos do inquérito serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão en-tregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado.
O inquérito policial nos crimes de ação privada também pode co-meçar por intermédio de prisão em flagrante, nesta hipótese o ofendido de-verá ratificar o flagrante até a entrega da nota de culpa, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.
Em suma, as peças inaugurais sobre as quais a autoridade policial determina a instauração de inquérito policial são:
● Portaria;
● Requisição Judicial ou Ministerial;
● Representação da vítima de crime de ação pública condicionada;
● Requerimento da vítima de crime de ação privada;
● Auto de Prisão em Flagrante;
● Auto de Resistência; e
● Auto de Apresentação espontânea.

13. RITO

O inquérito policial não possui rito preestabelecido, tendo em vista a sua natureza relativamente inquisitiva.
Efetivamente, como foi afirmado, o inquérito é um procedimento, porque enfeixa um conjunto de diligências investigatórias voltadas à eluci-dação das infrações penais, sem observar um rito formal e determinado.
Em outras palavras, significa que não há necessidade de seguir uma ordem rígida na realização das diligências.
Para que se tenha um parâmetro na elaboração do inquérito policial, divide-se didaticamente o procedimento em três etapas:
● Início – instauração;
Na portaria o delegado deve determinar todas as diligências que vis-lumbrar necessárias, requisitando as perícias imprescindíveis à comprova-ção das circunstâncias e autoria do delito.
● Instrução – materialização das investigações criminais;
Tendo em vista a natureza do inquérito policial, de instrumento de promoção de justiça criminal, o interrogatório, na medida do possível, de-verá ser realizado ao final desse procedimento, com o objetivo de propor-cionar ao investigado a oportunidade de refutar as suspeitas que recaem sobre sua pessoa, exercendo, desta forma, o chamado “contraditório miti-gado”.
● Conclusão – análise das provas, tipificação da conduta e repre-sentação pela decretação da prisão cautelar.

14. INCOMUNICABILIDADE

O art. 21, do CPP, prevê a possibilidade da decretação da incomu-nicabilidade do indiciado, durante a realização do inquérito policial.
Art. 21. A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir.
Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de 3 (três) dias, será decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no art. 89, II-I, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963).
O mencionado dispositivo elenca duas condições para a efetivação dessa medida: quando o interesse da sociedade ou conveniência da investi-gação o exigir.
A finalidade dessa providência é impedir que a comunicação do preso com terceiros venha a prejudicar o desenvolvimento da investigação.
É relevante destacar que somente o juiz pode decretar a incomuni-cabilidade do indiciado, mediante despacho fundamentado, demonstrando o preenchimento das condições estabelecidas pela lei.
A norma, também, estabelece o prazo improrrogável de 3 (três) dias de duração desta medida coercitiva.
O juiz depende para decretar a incomunicabilidade, da representação da autoridade policial ou do requerimento do representante do Ministério Público.
Saliente-se que tal medida não alcança o advogado, nos termos do parágrafo único, do art. 21, do CPP, que menciona expressamente o inciso III, do art. 89 (atual art. 7º, III), do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Vale lembrar que parte da doutrina entende que a incomunicabili-dade do indiciado não foi recepcionada pela nova ordem constitucional.
Os doutrinadores que defende essa corrente aduzem que o art. 21, do CPP, foi revogado pelo inciso IV, do art. 136, da CF, que proíbe a in-comunicabilidade durante o estado de defesa.
Os estudiosos neste assunto argumentam que se a Constituição Fe-deral proíbe o mais, também proíbe o menos.
Em sentido contrário, outra corrente doutrinária entende que a proi-bição está relacionada com crimes políticos ocorridos durante o estado de defesa.
Atualmente, predomina o entendimento de que o art. 21, do CPP, é inconstitucional.

15. PRAZOS PARA ENCERRAMENTO

O art. 10, do CPP, estabelece os prazos de encerramento do inquéri-to policial.
Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso pre-ventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trina) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
O procedimento investigatório deve ser encerrado no prazo de 30 (trinta) dias a partir da data da instauração, se o indiciado estiver solto.
Na hipótese de não ser possível concluir o procedimento no prazo de 30 (trinta) dias, notadamente, nos casos mais complexos ou em que há necessidade de realização de provas periciais, o delegado de polícia deverá solicitar a dilação de prazo, fundamentando o pedido com as razões que o impediram de encerrar o feito no tempo legal.
De acordo com o art. 16, do CPP, o inquérito poderá ser devolvido à Polícia Judiciária quando o Ministério Público entender que falta uma diligência imprescindível para a denúncia.
Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.
Vale lembrar que, se o juiz discordar dessa devolução, cabe Correi-ção Parcial contra referida decisão.
De outro lado, o procedimento investigatório deve ser encerrado no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado estiver preso.
Neste caso, o prazo de 10 dias será contado da data da efetivação da prisão.
É importante registrar que, na hipótese de o indiciado estar preso, não será possível a dilação do prazo de encerramento do inquérito.
Nesta hipótese, não pode haver dilação de prazo, pois se presume que, se a pessoa está presa, os elementos de convicção foram suficiente-mente produzidos.
A conclusão do inquérito fora do prazo estabelecido acarreta o rela-xamento da prisão do indiciado e responsabilidade no âmbito criminal e administrativo ao policial civil desidioso.
O delegado de polícia deverá dedicar especial atenção no que se re-fere à contagem do prazo de conclusão do inquérito, nos casos em que o indiciado estiver preso.
Apesar de se tratar de prazo de Direito Processual (conta-se a partir do primeiro dia útil seguinte), como se relaciona à restrição da liberdade, o prazo de 10 (dez) dias deve ser contado de acordo com o Direito Penal (conta-se o dia do começo e exclui se o do final).
É importante consignar que a legislação especial estabelece outros prazos para a conclusão do inquérito policial:
● Se o inquérito estiver tramitando perante a Justiça Federal, o pra-zo será de 15 (quinze) dias, prorrogável por mais 15 (quinze) se o indiciado estiver preso, conforme estabelece o art. 66, da Lei nº 5.010/1966 – Lei Orgânica da Justiça Federal.
Art. 66. O prazo para conclusão do inquérito policial será de quinze dias, quando o indiciado estiver preso, podendo ser prorro-gado por mais quinze dias, a pedido, devidamente fundamentado, da autoridade policial e deferido pelo Juiz a que competir o conhe-cimento do processo. (grifei)
Parágrafo único. Ao requerer a prorrogação do prazo para con-clusão do inquérito, a autoridade policial deverá apresentar o pre-so ao Juiz.
● Nos crimes contra a economia popular, o prazo é de 10 (dez) di-as, estando o indiciado preso ou não, nos termos do § 1º, do art. 10, da Lei nº 1.521/1951.
Art. 10. Terá forma sumária, nos termos do capítulo V, título II, livro II, do Código de Processo Penal, o processo das contraven-ções e dos crimes contra a economia popular, não submetidos ao julgamento pelo Júri.
§ 1º. Os atos policiais (inquérito ou processo iniciado por porta-ria) deverão terminar no prazo de dez dias. (grifei)
● Nos crimes previstos na nova Lei de Tóxicos, o prazo para con-clusão do inquérito será de 30 (trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, se estiver solto, podendo o referido lapso temporal ser duplicado, de acordo com o art. 51, da Lei nº 11.343/2006.
Art. 51. O inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trin-ta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quan-do solto.
Parágrafo único. Os prazos a que se refere este artigo podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária.

16. CONCLUSÃO

O relatório final é a conclusão do inquérito.
Nesse relatório deve haver uma classificação jurídica do crime, bem como a análise dos elementos de convicção produzidos no inquérito polici-al.
Isto não que dizer que, necessariamente, se deva concluir pela apu-ração da autoria e materialidade de um crime.
Melhor explicando, diante do apurado, com fundamento no princí-pio da verdade real, o delegado de polícia, entre outras hipóteses, poderá concluir pela:
● Inexistência do fato;
● Inocência do investigado; e
● Existência de uma causa excludente de antijuridicidade e culpa-bilidade.
O relatório poderá ser:
● Terminativo: quando conclusivo;
● Requisitório: quando, além de conclusivo, a autoridade policial representa pela decretação da prisão preventiva ou provisória; e
● Complementar: atende diligências requisitadas pelo representante do Ministério Público.
É importante salientar que o relatório final não deve ser apenas um resumo do apurado ou uma espécie de índice remissivo do que se encontra juntado aos autos.
O relatório deve demonstrar o domínio que o delegado de polícia tem na ciência da investigação criminal e na área do direito, circunstância que justifica a inserção da atividade exercida pelas autoridades policiais no rol das carreiras jurídicas.

17. ARQUIVAMENTO

Tendo em vista o princípio consagrado no inciso XXXV, do art. 5º, da CF, que estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judi-ciário lesão ou ameaça a direito”, o inquérito policial concluído será enca-minhado obrigatoriamente ao Poder Judiciário.
Como ficou consignado anteriormente, o principal objetivo do in-quérito é a busca da verdade real e não o oferecimento da denúncia pelo representante do Parquet.
Portanto, não tem fundamento o encaminhamento e arquivamento do inquérito policial pelo Ministério Público.
Desta forma, o arquivamento do inquérito só pode ser determinado pelo juiz mediante pedido fundamentado do representante do Ministério Público.
Na hipótese de o juiz discordar do pedido de arquivamento, remeterá os autos ao Procurador-Geral de Justiça, conforme determina o art. 28, do CPP.
Neste caso, o Procurador-Geral de Justiça poderá:
● Designar outro Promotor de Justiça para oferecer a denúncia (princípio da independência funcional).
O Promotor de Justiça designado não pode recusar-se, pois quem está denunciando é o Procurador-Geral; e aquele estará apenas executando (trata-se de delegação);
● Devolver os autos para diligências complementares; e
● Insistir no arquivamento.
Nesse caso, o Poder Judiciário não poderá discordar do arquiva-mento.
Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar im-procedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou pe-ças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denún-cia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.
Em caso de competência originária, o pedido de arquivamento for-mulado pelo Procurador-Geral vincula o juiz, ou seja, não cabe nenhum tipo de recurso dessa decisão.
Saliente-se que uma vez arquivado o inquérito policial, não poderá ser promovida a ação privada subsidiária da pública.
Em regra, não existe recurso contra decisão que determinou o ar-quivamento do inquérito policial.
Entretanto, o ordenamento jurídico vigente contempla hipótese em que há recurso contra decisão de arquivamento:
Nos crimes contra a economia popular, caberá recurso de ofício, de acordo com o art. 7º, da Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951.
Art. 7º Os juízes recorrerão de ofício sempre que absolverem os acusados em processo por crime contra a economia popular ou contra a saúde pública, ou quando determinarem o arquivamento dos autos do respectivo inquérito policial. (grifei)
Se o tribunal der provimento a esse recurso, o inquérito policial será remetido ao Procurador-Geral de Justiça.
É oportuno sublinhar que o inquérito policial arquivado só poderá ser reaberto com novas provas, conforme determina o art. 18, do CPP.
Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autori-dade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras pro-vas tiver notícia.
No mesmo sentido a Súmula nº 524 do STF.
“Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a reque-rimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser inicia-da, sem novas provas.”
Finalmente, registre-se que não existe arquivamento em ação priva-da, pois o pedido de arquivamento feito pela vítima significa renúncia do direito de queixa, situação relacionada como causa de extinção da punibili-dade, no inciso V, do art. 107, do Código Penal.
Art. 107. Extingue-se a punibilidade: (...)
V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada.

18. INQUÉRITOS EXTRAPOLICIAIS

Em regra, os inquéritos policiais são realizados pela Polícia Judiciá-ria e presididos por delegado de polícia de carreira, por força do que dispõe o § 4º, do art. 144, da CF.
Entretanto, o parágrafo único, do art. 4º, do CPP, estabelece a pos-sibilidade de o inquérito policial ser realizado por outras autoridades admi-nistrativas, desde que esta atribuição esteja expressamente prevista em lei.
Art. 4º. (...) Parágrafo único. A competência definida neste arti-go não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
Portanto, existem raríssimos casos em que o procedimento investi-gatório criminal não é realizado pela Polícia Judiciária:
● Comissões Parlamentares de Inquérito, consoante estabelece o § 3º, do art. 58, da CF.
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribui-ções previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. (...)
§ 3º. As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou se-paradamente, mediante requerimento de um terço de seus mem-bros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Públi-co, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos in-fratores. (grifei)
● Crime cometido nas dependências da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, nos termos da Súmula nº 397, do STF.
“O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Fe-deral, em caso de crime cometido nas suas dependências, compre-ende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito” (grifei)
● Inquérito policial militar, consoante se infere do § 4º, do art. 144, da CF.
Art. 144. (...) § 4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (grifei)
● Crime cometido por juiz.
Se o crime cometido pelo juiz for inafiançável ele pode ser preso. A autoridade policial lavra o Auto de Prisão em Flagrante e imediatamente o encaminha ao Tribunal de Justiça, inclusive o preso.
O inquérito policial instaurado contra juiz é presidido por um de-sembargador sorteado no Tribunal de Justiça.
● Crime cometido por representante do Ministério Público.
Se o crime cometido pelo membro do Ministério Público for inafi-ançável ele pode ser preso. A autoridade policial lavra o Auto de Prisão em Flagrante e imediatamente o encaminha ao Procurador-Geral de Justiça, inclusive o preso.
O inquérito policial instaurado contra representante do Ministério Público é presidido pelo Procurador-Geral de Justiça ou um promotor de justiça por ele designado.
Finalmente, registre-se que a atribuição de presidir inquérito desti-nado à apuração de crime falimentar, que era dos magistrados, passou para os delegados de polícia, por força do que dispõe o art. 187, da Lei nº 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.
Art. 187. Intimado da sentença que decreta a falência ou conce-de a recuperação judicial, o Ministério Público, verificando a o-corrência de qualquer crime previsto nesta Lei, promoverá imedia-tamente a competente ação penal ou, se entender necessário, requi-sitará a abertura de inquérito policial. (grifei)

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