terça-feira, 2 de outubro de 2007

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI GERAL DA POLÍCIA CIVIL


A Polícia Civil é uma instituição existente em nosso país há mais de cem anos, com atribuição básica de realizar as apurações das infrações penais de competência dos Estados, excluídas aquelas de competência da Justiça Federal e da Justiça Militar.
Portanto, sua atribuição essencial é a de praticar todos os atos legais previstos no Código de Processo Penal, que se relacionam à apuração das infrações penais de sua esfera de atribuição, observados os princípios, direitos e garantias individuais contidos na Constituição da República.
Apesar disso e da sua longa existência, até hoje não possui uma legislação de âmbito nacional que defina sua estrutura, funcionamento e atribuições administrativas, fazendo com que isso fique ao sabor da vontade política de cada Estado da federação. Por isso, observamos que em alguns Estados incumbe à Polícia Civil, além de suas atribuições constitucionais e legais, a administração de outros setores estranhos, que variam de acordo com a conveniência do Poder Executivo local.
Dentre algumas dessas atribuições extravagantes, podemos citar como exemplo, aquelas relacionadas à administração de Departamentos de Trânsito e Circunscrições Regionais de Trânsito; a emissão de documentos de identidade e atestados de antecedentes criminais; a fiscalização e controle de segurança privada; controle e fiscalização de determinadas atividades, tais como a de despachantes, auto-escolas, desmanche de veículos, além do atendimento e prestação de outros serviços públicos de caráter administrativo, como o que é realizado pelo “Poupa-Tempo” em São Paulo etc.
Em cada Estado temos suas peculiaridades, mas em sua grande maioria os recursos materiais e humanos da Polícia Judiciária são desviados para a prática de atividades estranhas às suas atribuições legais essenciais, sem desmerecer a importância que aquelas atividades administrativas representam para a comunidade. Ou seja, nos Estados – nuns mais, noutros menos – o que se verifica é o desvio de função das autoridades policiais e das demais carreiras policiais para a prática de atividades administrativas as mais diversas, inclusive no âmbito da própria administração policial.
No âmbito da Polícia Federal a situação não tem sido diferente.
No entanto, acredito que as Polícias Judiciárias nos Estados estão ainda mais expostas a determinadas formas de ingerências políticas do que no âmbito federal.
Além disso, no que tange à própria atividade de polícia judiciária em si, parece-nos bastante óbvio que as instituições incumbidas de investigar as infrações penais deveriam contar, única e exclusivamente, com viaturas descaracterizadas, ou seja, com automóveis que não ostentassem identificação policial. Não obstante, o que se vê é que a grande maioria das viaturas são dotadas de identificação, prejudicando, diante de sua ostensividade, o trabalho investigativo, tornando as instituições responsáveis pela polícia judiciária mais um órgão de policiamento preventivo ostensivo.
Em razão de tudo isso, há muito necessitamos de uma lei orgânica nacional que regulamente a polícia judiciária, abrangendo tanto a Polícia Federal como as Polícias Civis nos Estados, com a finalidade de estabelecer os mecanismos legais necessários para o desempenho mais eficaz e independente dessas atribuições, padronizando-se em todo o país a estrutura básica que devem possuir. Necessário seria também que a lei orgânica nacional estipulasse os princípios que deveriam reger essas instituições, partindo-se do prisma de que são essenciais à Justiça, bem como que estabelecesse as prerrogativas, direitos e deveres de seus dirigentes e demais carreiras auxiliares, as finalidades públicas a serem alcançadas em seu mister, dotando-as de garantias legais que lhe confiram maior independência no exercício de suas atribuições.
Infelizmente, o atual projeto de Lei Geral da Polícia Civil encaminhado ao Congresso Nacional deixou de abordar vários aspectos de relevância, como por exemplo, o de regulamentar a polícia judiciária como um todo (no âmbito federal e estadual), tratando o Delegado de Polícia apenas como mais uma carreira policial e não como agente político que é, sem apresentar definição do que seja a Polícia Judiciária e classificando a Polícia Civil como instituição essencial à Segurança Pública, quando deveria ser considerada essencial à Justiça, na mesma categoria em que se encontram o Ministério Público e a Defensoria Pública.
Além disso, deixou o mencionado projeto de abordar várias outras importantes questões, que consideramos de extrema importância e que dizem respeito a estrutura da Polícia Judiciária nacional, tais como:

1) A constituição e definição adequada das atribuições do Conselho Superior e da Corregedoria, órgãos superiores de suma importância para a administração e fiscalização da Polícia Judiciária. Defendemos que o Conselho Superior deveria ser composto por uma parte de membros eleitos diretamente pelos Delegados de Polícia e que fosse obrigatória sua manifestação majoritária (de no mínimo 2/3) nos casos de remoção compulsória do Delegado de Polícia, além de várias outras questões importantes, como promoção dos policiais e decisões em último grau de recurso em processos administrativos. Defendemos que a Corregedoria deveria possuir autonomia financeira e administrativa, com carreira própria para aqueles que para lá fossem designados, proibindo-se o retorno às atividades policiais comuns. Além disso, o Delegado de Polícia que viesse a ocupar o cargo de Corregedor-Geral deveria ser eleito pelo Conselho Superior, com mandato de no mínimo dois anos, a fim de lhe possibilitar a independência necessária para o correto e imparcial desempenho de sua missão;

2) Outro ponto que entendemos de grande relevância que não foi abordado no projeto é aquele que diz respeito à aposentadoria especial e às garantias que deve possuir o Delegado de Polícia para o imparcial desempenho de suas atribuições, mormente a garantia da inamovibilidade;
3)O projeto deveria ter estabelecido a obrigatoriedade de criação e extinção de cargos destinados às respectivas Delegacias, apenas por lei, definindo-se sua iniciativa. Atualmente, como se sabe, a criação de uma Delegacia, o número de cargos a ela relacionados e os respectivos níveis dos profissionais a ela designados, quando são definidos, o são por meros atos administrativos. Departamentos inteiros de polícia, com dezenas de centenas de cargos, são criados e extintos por meros decretos, resoluções ou portarias, ao sabor de interferências e ingerências políticas, em detrimento de análise de necessidade técnica e do interesse público;
4) O projeto não faz qualquer referência aos níveis da carreira de Delegado, nem a respeito da forma como devem se dar as promoções, deixando muito a desejar também no que tange ao dirigente máximo da instituição. Entendemos que seria necessário a definição clara da estrutura dos cargos dos dirigentes das Delegacias e a definição das chefias dos cargos auxiliares. Além disso, entendemos que o Delegado Geral deveria ser escolhido dentre os integrantes do topo da carreira e eleito pelos Delegados de Polícia com mandato de no mínimo dois anos, com apresentação de lista tríplice ao Governador para sua nomeação. Essas medidas iriam lhe conferir o mínimo de independência necessária para gerir a instituição dentro de parâmetros mais técnico-jurídicos do que políticos.
Essas são algumas singelas ponderações que apresento para análise do projeto de Lei Geral da Polícia Civil e solicito aos demais colegas que tenham feito estudo mais minucioso sobre o assunto que me encaminhem suas análises para publicação.

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