terça-feira, 11 de março de 2008

SEGURANÇA PÚBLICA E MUNICIPALIZAÇÃO

SEGURANÇA E FUNÇÕES SOCIAIS DA CIDADE

Celso Antônio Pacheco Fiorillo (Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 7ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva,2006) enfoca a questão da plenitude do desenvolvimento das funções sociais da cidade, entendendo que a função social da cidade é cumprida quando o administrador consegue garantir aos seus habitantes que os direitos contidos no artigo 5o da Constituição Federal serão respeitados. Isto é, quando proporciona a todos a garantia ao direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade.
Observamos, contudo, que sem segurança não é possível garantir o direito à vida, à igualdade, à propriedade e à liberdade. Estes são justamente os bens que a segurança visa proteger. Quando pensamos em segurança "lato sensu", pensamos em todo aparato necessário para a preservação de bens juridicamente preciosos, como o são aqueles que já enumeramos. Além disso, temos notado que há, cada vez mais, uma crescente busca e necessidade de compreender em qual medida a segurança está relacionada com todas as demais áreas vitais da sociedade.
Todos sabem que para uma sadia qualidade de vida é preciso garantir a todos os habitantes o acesso à educação, à saúde, à justiça, à moradia, aos transportes etc., no entanto, sabemos que sem segurança nenhum destes importantes direitos essenciais poderiam ser exercidos. Portanto, concluímos que a segurança é, antes de tudo, um requisito básico para que outros importantes direitos possam ser efetivamente garantidos. Talvez por isso muitos não se dêem conta do quão valiosa é a segurança, haja vista sua característica de requisito intrínseco das demais atividades humanas.
Podemos citar, por exemplo, que na área da educação – em nosso ponto de vista um dos direitos mais essenciais das pessoas humanas – existe a necessidade de garantir a segurança interna e externa das escolas. Ninguém poderá discordar que é preciso garantir, antes de qualquer coisa, que o aluno possa locomover-se com segurança até a escola, ou seja, que lá chegará íntegro e que da mesma maneira retornará até a sua residência. Aos professores também é necessário garantir o direito de transportarem-se até seu local de trabalho com segurança e que também possam ter a liberdade de bem desempenhar seu papel de educadores, sem que sofram quaisquer riscos a sua integridade física. A esta altura poderíamos elencar uma enormidade de exemplos de implicações relacionados à segurança, genericamente falando, em todas as demais áreas de atuação do poder público (saúde, trabalho, moradia, transporte, lazer etc.). Apenas para dar mais um exemplo, o mesmo autor citado no início define que ao abordar a questão do direito ao transporte nas cidades, “(...) o dever do Poder Público municipal de assegurar veículos destinados a transportar fundamentalmente as pessoas nas cidades, assim como o de propiciar condições adequadas para a utilização das vias dentro de critérios orientados para um trânsito em condições seguras, cumprindo determinação que lhe é atribuída em face da competência constitucional regrada pelo art. 30, V, da Carta Magna (organização e prestação de serviço público de transporte)”. Portanto, no contexto do transporte público, para que tenhamos uma livre e tranqüila circulação através de um adequado sistema de rede viária nas cidades dependemos, em grande escala, da existência de um complexo sistema de Segurança Pública, abrangendo neste conceito uma eficiente engenharia de tráfego, tendo em vista que é essencial para uma via segura que ela tenha tido um adequado planejamento e construção, bem como que seja submetida a uma periódica e adequada conservação, sem falar de outros aspectos, tais como iluminação e sinalização.
A questão da Segurança Pública, no caso citado, terá relação, portanto, com a correta e clara sinalização de trânsito, com a perfeita e adequada manutenção da pavimentação e com uma iluminação de qualidade. A sinalização e manutenção estão relacionadas com acidentes e atropelamentos que possuem estreita implicação com a Segurança Pública. A iluminação adequada é fator primordial para a livre e tranqüila circulação de automóveis e pedestres nos períodos noturnos. Uma iluminação adequada, além de proporcionar conforto e segurança para a utilização das vias públicas, é fator crucial na prevenção de prática de infrações e na ocorrência de acidentes.
A higiene e limpeza das áreas públicas (ruas, avenidas, praças, parques, calçadas etc.), além de ser de extrema necessidade para a prevenção de problemas de saúde nos habitantes das cidades, também é fator que influencia grandemente na questão da Segurança Pública; não somente na prevenção de acidentes e nas questões sanitárias, como também na prevenção da prática das mais diversas infrações penais.
Não é necessário ser um especialista para concluir que várias infrações são praticadas em determinadas regiões em razão de sua precária iluminação, uma vez que esses lugares passam a sensação de abandono pelo poder público. Um lugar sujo e mal iluminado transmite claramente a sensação da inexistência de atuação legal do Poder Público. Por isso, podemos afirmar que se encontra incutido no inconsciente das pessoas de modo geral que estes lugares devem ser evitados – o que no mais das vezes é o que acaba acontecendo até mesmo pelo próprio poder público – gerando um círculo vicioso que propicia a criação de guetos e o desenvolvimento de grupos marginalizados os mais diversos. São exatamente em ambientes com essas características que surgem verdadeiros poderes paralelos, já que nesses lugares a presença do Estado não é percebida pelos que ali habitam, como é o caso, por exemplo, das favelas.
Podemos concluir que a segurança é tão essencial a sadia qualidade que está, muitas das vezes, implícita em todos os demais direitos sociais dos cidadãos. De fato, não podemos falar em saúde, educação, transporte, moradia, lazer, trabalho, investimento etc. sem que tenhamos como pré-requisito a segurança. Em todas as áreas mencionadas e em qualquer outra que se imagine, teremos na segurança um fator a ser levado em consideração para o alcance da plenitude dessas atividades. Isso é tão natural, que é muito comum aos administradores e governantes se esquecerem de quanto é essencial um projeto específico que leve em conta a segurança do empreendimento que se pretende realizar. Não há como realizar qualquer planejamento ou desenvolver qualquer projeto, sem que se atente para as questões relacionadas à segurança, aqui se ressaltando seu caráter multidisciplinar tendo em vista a amplitude de sua aplicação.
Os setores empresariais e econômicos já perceberam o quanto é importante a questão da segurança, em especial a Segurança do Trabalho e a Segurança Patrimonial. Tanto que hoje em dia é muito comum ouvirmos economistas falarem do custo da segurança embutido em tudo que é produzido e consumido no país, assim como em todas as prestações de serviço, sejam eles públicos ou privados. Fala-se, inclusive, que a Segurança Pública (ou a falta dela) é um dos fatores que elevam sobremaneira o chamado “custo Brasil”. Há muitos anos vimos acompanhando na mídia um número cada vez mais preocupante de empresários que transferem seus investimentos para outros países, por conta da falta de Segurança Pública. Este fenômeno tem sido constatado também em nossa observação pessoal, tendo em vista a proximidade que temos com essa problemática em nossa área de atuação profissional. Impressiona o número de pequenas empresas e comerciantes que simplesmente faliram em razão de terem sido reiteradamente vitimados pelos mais diversos delitos patrimoniais, sem que houvesse uma medida efetiva do Poder Público para prevenir esses lamentáveis acontecimentos.
Para uma perfeita compreensão de toda a abrangência e implicação da segurança na vida das pessoas, portanto, se faz necessário um amplo estudo multidisciplinar. Por isso, neste ponto, se faz necessário melhor compreender o que seja Segurança Pública. Definido este conceito, será possível a demonstração de como a Segurança Pública deveria ser enfocada no âmbito do meio ambiente artificial em face da sistemática constitucional e do direito ambiental brasileiro.

CONCEITO DE SEGURANÇA PÚBLICA

Segurança é um termo equívoco com enorme abrangência, com interferência e ligação com inúmeras áreas da atividade humana. A Segurança Pública por sua vez, apesar de sua grande abrangência, envolve um conceito muito mais limitado e vinculado àquilo que cabe ao poder público realizar, como fonte prestadora de serviço à população.
A segurança pública, em nosso entendimento, é uma atividade decorrente do poder de polícia estatal que abrange ordem pública, prevenção de infrações penais, defesa civil (compreendendo corpo de bombeiros e órgãos relacionados), vigilância sanitária, engenharia e fiscalização de tráfego, limpeza e iluminação pública, controle e fiscalização de determinadas atividades comerciais, tais como bares, casas noturnas, transportes públicos, hotéis, pensões e hospedarias em geral, comércio ambulante etc., dentre outras várias atividades desempenhadas pelo poder público secundariamente relacionadas com a segurança da população e que, por isso, devem ser contabilizadas no entendimento de segurança pública, tais como organização de espaços públicos, iluminação e limpeza públicas, sinalização etc.
Jean-Claude Monet (Polícias e Sociedades na Europa. Trad. Mary Amazonas Leite de Barros. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 2006) apresenta definição bastante precisa a respeito do termo segurança pública: “A noção de segurança pública recobre, hoje, todo um conjunto de objetivos atribuídos pelos textos jurídicos que regulamentam a atividade policial. Mas ela integra também as demandas múltiplas e heteróclitas que o cidadão dirige à polícia. Ela abarca, enfim, práticas policiais rotineiras, que as tradições próprias de cada serviço legitimaram pelo registro: ‘Sempre fizemos assim’. Incluem-se nas atividades de segurança pública: a vigilância da higiene e da tranqüilidade das ruas e dos imóveis, a proteção das pessoas e dos bens contra as ações dos delinqüentes, dos vândalos e dos baderneiros. Patrulhas pedestres ou motorizadas, guardas de estabelecimentos ou de personalidades diversas, organização de serviços destinados a facilitar a circulação dos automóveis, operações de socorro de urgência, escoltas de bens e de detidos, vigilância das imediações das escolas, das zonas industriais e portuárias, controles relativos à aplicação de regulamentações heteróclitas – sobre o consumo de bebida, as publicações destinadas à juventude, o comércio ambulante, os táxis, as armas... – são o quinhão cotidiano dos policiais ligados às tarefas de segurança pública”.
Como se pode verificar, a Segurança Pública engloba uma série de atividades que visam a prevenção não apenas de infrações penais, mas também de acidentes, doenças e conflitos sociais em geral, que podem afetar de uma maneira geral a segurança da população. A grande maioria das atividades de Segurança Pública já são atualmente desempenhadas pelo poder público municipal em nosso país, mas, equivocadamente, algumas importantes atividades relacionadas, em especial aquelas relacionadas ao patrulhamento ostensivo e a fiscalização, prevenção e combate aos incêndios, ainda são realizadas pelos Estados.
Ressaltamos neste ponto que a atividade relacionada com a apuração das infrações penais, qual seja a função de Polícia Judiciária, encontra-se equivocadamente vinculada com o setor de Segurança Pública em nosso país. Em nosso entendimento, trata-se de função essencial à Justiça e, por isso, deveria ser totalmente desvinculada do sistema nacional de segurança pública e vinculada ao sistema de justiça criminal, na qualidade de função essencial a realização da Justiça.
Apesar dos argumentos contrários, existem inúmeras vantagens em centralizar nas cidades as atividades de Segurança Pública, inclusive o patrulhamento preventivo. Na verdade, entendemos que esta é uma grande vocação dos municípios e todo o sistema de Segurança Pública poderia funcionar muitíssimo melhor. A sociedade somente teria a ganhar caso todas as atividades relacionadas com a Segurança Pública fossem desempenhadas por órgãos do mesmo ente federativo, em especial pelo município, onde se verifica a maior proximidade com as questões relacionadas ao tema, facilitando inclusive, a implementação do conceito de polícia comunitária. Este conceito aliás, possui muito mais proximidade com a Segurança Pública municipalizada, porque sua principal característica é o comprometimento do servidor público com a comunidade e isso ocorreria de forma mais efetiva com a municipalização. Até a seleção de profissionais por concurso público para essa área seria melhor se fosse realizada no âmbito municipal, pois selecionaria candidatos da própria comunidade local ou, pelo menos, mais interessados em trabalhar nela. Nos concursos estaduais, não raras vezes, profissionais são selecionados para trabalhar em localidade diversa daquela que pretendiam ou residiam. Com isso, acabam designados para cidades onde não conhecem os moradores e com eles não possuem qualquer empatia, afinidade ou comprometimento, dificultando sobremaneira a plena implementação do policiamento comunitário.
Emanuel M. Lopes
(parte de dissertação depositada em curso de mestrado concluído na Universidade Metropolitana de Santos)

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