domingo, 3 de agosto de 2008

SEM POLÍCIA JUDICIÁRIA INDEPENDENTE NÃO SE FAZ JUSTIÇA


São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2008

Protógenes critica falta de independência da polícia

Lula Marques/Folha Imagem
Protógenes Queiroz, delegado da Polícia Federal que comandou caso Dantas, durante entrevista em seu apartamento em Brasília
Para delegado, organizações criminosas têm estrutura para entrar no aparelho estatal.
Afastado da Satiagraha menos de uma semana após prisões de banqueiro e de investidor, ele afirma que delegados estão fragilizados
RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Primeiro num táxi e, depois, em sua casa, um apartamento alugado onde vive desde 2003 na capital, o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, 49, concedeu a primeira entrevista desde que deixou o comando da Operação Satiagraha. Disse, desde os contatos iniciais para a realização da entrevista, que não falaria sobre o conteúdo do inquérito nem sobre outros pontos da operação, alegando o dever de zelar pelo sigilo da investigação. Mas fez várias alusões, veladas ou indiretas, ao caso.O inquérito que embasou a Satiagraha levou à prisão, por duas vezes, o banqueiro Daniel Dantas, solto em ambas as vezes por ordem do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes. Também foram presos -e depois soltos- o investidor Naji Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta, entre outros acusados.Em documento protocolado na Justiça Federal, Protógenes, afastado do caso pela cúpula da PF -ou "a pedido", segundo a versão oficial-, disse ter havido "tentativa de obstrução" do trabalho por delegados da direção geral do órgão. Também citando a questão do sigilo sobre os autos, ele não comentou, na entrevista, motivos que o levaram a fazer a queixa à Justiça.O delegado defende a autonomia da PF, tema de um projeto de emenda constitucional que tramita no Senado. Segundo ele, os delegados hoje estão "expostos" e "fragilizados" e precisariam ter garantias de permanência no cargo durante as investigações.


FOLHA - O trabalho da PF está vulnerável a interferências e pressões externas?

PROTÓGENES QUEIROZ - A PF não tem a prerrogativa da inamovibilidade, como têm o Ministério Público, o Judiciário. O juiz que começou uma ação tem essa prerrogativa. Nenhum superior hierárquico pode querer tirá-lo do caso.


FOLHA - O delegado fica exposto?

QUEIROZ - Sim, muito exposto, muito fragilizado. A polícia não é uma instituição independente, faz parte do Poder Executivo. Se tivesse independência, haveria mais segurança para a autoridade investigar. E fortaleceria até a imparcialidade.

FOLHA - Essa independência já não existe?

QUEIROZ - De maneira nenhuma. Agora mesmo, devido a razões que não posso manifestar, em relação à Operação Satiagraha, verificou-se a necessidade de a autoridade policial ter independência funcional. Isso vale principalmente nas investigações que envolvem corrupção nos órgãos do poder estatal.

FOLHA - Por quê?

QUEIROZ - Certas organizações criminosas hoje possuem estrutura e poder para colocar determinados criminosos no vértice do aparelho estatal. É o que nós estamos vendo no quadro aí. O próprio processo eleitoral fica comprometido com candidatos que praticaram diversos crimes, que têm indícios de práticas criminosas. Eles são os futuros legisladores. Isso fragiliza o aparato estatal e deixa a sociedade fragilizada em relação à segurança pública. A situação tende a piorar enquanto nós permitirmos isso.

FOLHA - A quem o sr. se refere?

QUEIROZ - Hoje a sociedade já grita. Até mesmo pela Operação Satiagraha, já se criou um movimento popular. É a primeira vez na história do país que várias instituições discutiram uma investigação policial. Há essa necessidade. Já nasceu e está crescendo um movimento nacional de resistência à corrupção. Isso é um fato.

FOLHA - Que tipo de manifestação demonstraria isso?

QUEIROZ - Várias, inclusive mensagens, cartas que tenho recebido. Muitas cartas, até de crianças. São manifestações que deixam a gente muito fortalecido. (...) Hoje eu sou muito mais determinado do que era antes. Se eu já tinha uma determinação imperiosa de não temer, praticamente se multiplicou com esse apoio popular.

FOLHA - Como o sr. define seu comportamento na Satiagraha?

QUEIROZ - Meu comportamento é como o do cidadão que há muitos anos se vê sem solução para situações que ocorrem no país, em especial no combate à corrupção. Esse trabalho foi praticamente um grito que saiu da garganta de todos os brasileiros que se sentiam oprimidos por estarem, aí sim, algemados por poderes que até então não identificamos. A sociedade estava com isso entalado na garganta e fui apenas o instrumento desse povo que se vê oprimido quando tem diante de si vários atos de corrupção, de desvios de recursos públicos.Fui o porta-voz do grande grito contra a corrupção no país.

FOLHA - O sr. se arrependeu de algo que tenha feito?

QUEIROZ - Não, em absoluto.Cumprimos com o nosso dever.

FOLHA - O sr. esperava tanta reação, inclusive negativa, ao trabalho?

QUEIROZ - As críticas vieram de um segmento que tem compromisso com outros valores. São críticas comprometidas com outros ideais, não com o ideal que a sociedade hoje sonha e almeja. Talvez por isso essa repulsa da sociedade e do povo quanto ao ocorrido.

FOLHA - O que levou o sr. ir ao Ministério Público e à Justiça para expor problemas que o sr. enfrentou na investigação?

QUEIROZ - Não posso responder porque está coberto pelo sigilo.

FOLHA - Houve tentativa de obstrução do seu trabalho?

QUEIROZ - Sobre isso não posso falar porque é alvo da investigação que está em andamento.

FOLHA - Como o sr. recebe as críticas sobre supostos excessos em operações policiais, como indícios que não se confirmam ou citações a pessoas que depois são inocentadas?

QUEIROZ - As críticas advêm de uma minoria que demonstra com o que está comprometida.São pessoas que têm outro compromisso. Obviamente, todas as críticas são bem-vindas, até para uma avaliação do caso.

FOLHA - Por que o sr. incluiu um capítulo sobre mídia e jornalistas?

QUEIROZ - Só posso falar em outro contexto, não sobre o inquérito. O papel da mídia é importante. O país vive um momento em que todas as instituições discutem todos os seus problemas. A mídia não poderia ficar à margem desse processo. Teria também que discutir nesse mesmo contexto. Porque há necessidade de se discutir o papel ético, profissional, das informações que são veiculadas. O compromisso com a verdade. Achei muito oportuna essa discussão também em termos de mídia e de imprensa.

Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0308200802.htm

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