sexta-feira, 6 de julho de 2007

A INAMOVIBILIDADE É NECESSIDADE BÁSICA PARA O DELEGADO DE POLÍCIA

Há muito se fala da necessidade de garantias para o independente exercício de determinadas funções públicas. Uma das principais garantias para o exercício independente do poder é, sem dúvida alguma, a inamovibilidade. A primeira carreira pública a ter a garantia da inamovibilidade sacramentada na Constituição da República foi a magistratura, como não poderia deixar de ser, haja vista que uma das principais características de democracias plenas é a existência de um Poder Judiciário totalmente independente. Com a promulgação da Constituição da República de 1988 a inamovibilidade foi estendida aos membros do ministério público e da defensoria pública. Destacamos que a defensoria pública foi inserida no sistema jurídico do país pela Constituição da República e já nasceu dotada dessa importante garantia. De fato, podemos verificar que o artigo 134 da Constituição estabelece as diretrizes básicas da defensoria nos seguintes termos:“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV.§ 1o Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais” (grifo nosso).A garantia constitucional da inamovibilidade acabou sendo regulamentada pela Lei Complementar n. 80/1994, que trata a respeito da lei orgânica da defensoria pública da União, Estados e Municípios.São óbvios os motivos que levam à necessidade da existência da garantia da inamovibilidade para as carreiras da magistratura, ministério público e defensoria. Quem está incumbido de exercer parcela do poder estatal no exercício legal de suas atribuições, irremediavelmente terá, em várias situações, de praticar atos ou proferir decisões que venham a ferir ou contrariar interesses do próprio Estado ou de outros organismos privados não menos poderosos, tais como grandes empresas e conglomerados que detém enorme poder econômico. No caso da Defensoria Pública, não há que se falar em exercer parcela de poder, mas sim em liberdade de atuação na defesa do interesse de necessitados, mesmo que tenha para isso de acionar o Estado.Portanto, os profissionais titulares dos cargos públicos mencionados necessitam, ao menos, ter garantido o direito de permanecer no mesmo cargo (e isto significa no mesmo local físico de trabalho) a fim de que a remoção não seja utilizada como empecilho à correta aplicação da lei, bem como para que o interesse público não deixe de ser concretizado através de sua atuação funcional.Por isso, a regra geral é a de que o titular da garantia da inamovibilidade somente pode deixar a sede de suas atividades, seja por remoção ou promoção, somente por ato de sua própria vontade.Ressalte-se, no entanto, que a garantia da inamovibilidade não é absoluta, em nenhuma das carreiras mencionadas. Ela comportará exceções, porém, mesmo nestes casos, sempre terá como fim último atingir o interesse público. Como não poderia deixar de ser, essas exceções estão claramente previstas no ordenamento jurídico, que estabelece as regras para que o interesse público seja cumprido. Como por exemplo, podemos citar as regras previstas pela própria Constituição Federal, nos artigos 93, inciso VIII, e 95, inciso II, quando estabelece as regras para a remoção compulsória do juiz. Essa forma de remoção contrária à vontade do titular do cargo protegido, somente pode ocorrer por motivo de interesse público, ocasião em que se concretizará por deliberação de dois terços dos membros do respectivo Tribunal ou Órgão Especial. Além da votação e do quorum mínimo exigido, não se pode olvidar da necessidade de motivação do ato, eis que mesmo sendo obtida a aquiescência de dois terços do total dos membros da corte respectiva ou de seu órgão especial, a decisão deverá ser motivada, sendo também assegurado ao interessado a ampla defesa.É preciso esclarecer que a remoção compulsória pode ocorrer como forma de punição do titular do cargo ou como forma de satisfazer o interesse público.Como podemos verificar, a garantia da inamovibilidade é uma importante prerrogativa para o bom desempenho daquele que venha a ocupar qualquer um dos cargos mencionados. Infelizmente, o constituinte federal errou ao deixar de incluir o Delegado de Polícia no rol daqueles que necessitam da inamovibilidade como garantia para o desempenho independente de suas atribuições. Parece-nos um tanto quanto incoerente que tenha reconhecido a necessidade dessa garantia para o exercício do cargo de Defensor Público, deixando de vislumbrar o quanto pode ser difícil o livre e desimpedido exercício da atividade de polícia judiciária sem que se possua, ao menos, a garantia de que continuará trabalhando no mesmo local.Deveras, não raras vezes, deve o Delegado de Polícia instaurar Inquérito Policial para apurar infração penal que atinge determinado interesse político ou que pode alcançar alguém que possua influência econômica ou política.Parece-nos bastante óbvia – talvez em razão de nosso longo tempo na carreira – a necessidade dessa garantia para que o desempenho do cargo do Delegado de Polícia possa satisfazer minimamente ao interesse público. Apesar disso, não conhecemos nenhum autor ou jurista de renome na esfera criminal que tenha tido a capacidade de enxergar essa dificuldade no desempenho da atividade de polícia judiciária. Muitas críticas são ouvidas aqui e acolá sobre a atuação do Delegado de Polícia, em especial naqueles casos de grande repercussão social e naqueles que envolvem grandes interesses econômicos e políticos. No entanto, as críticas, infelizmente, não vêm acompanhadas de um estudo mais minucioso e detalhado das enormes dificuldades encontradas no desempenho das nobres atribuições constitucionais do Delegado de Polícia.Apesar dessa triste constatação, a questão da inamovibilidade para o Delegado de Polícia teve um tímido início com a Lei Complementar n. 207/1979 – Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo – e, mais recentemente com a Constituição do Estado de São Paulo, que em seu artigo 140, parágrafo 3o, estabeleceu que “a remoção de integrante da carreira de delegado de polícia somente poderá ocorrer mediante pedido do interessado ou manifestação favorável do Colegiado Superior da Polícia Civil, nos termos da lei”.Ao que parece, a carta constitucional estadual lançou uma tábua de salvação para as autoridades policiais paulistas e criou um precedente para os demais Estados da federação, sendo atualmente a única garantia disponível para utilização na luta contra as ilegalidades e abuso de poder de que têm sido vítimas muitos Delegados. Apesar do não surgimento de lei complementar estadual posterior para regulamentar o disposto na parte final do parágrafo 3o do artigo 140 da Constituição do Estado, entendemos ter sido recepcionado, em parte, o que dispõe o artigo 36 da Lei complementar n. 207/79. Senão vejamos:“Art. 36 – O Delegado de Polícia só poderá ser removido, de um para outro município:I – a pedido;II – por permuta;III – com seu consentimento, após consulta;IV – no interesse do serviço policial, com a aprovação de dois terços do Conselho da Polícia Civil”. (grifo nosso)A parte que destacamos do artigo 36 não foi recepcionada, uma vez que não caberia à lei complementar impor restrição ou limitação onde a Constituição do Estado não impôs. Assim sendo, ainda que a remoção ocorra de um cargo para outro dentro da mesma repartição em que servir o interessado, não ocorrendo a seu pedido, ou não atendendo os ditames do interesse público, estará eivada de ilegalidade. Portanto, se o Delegado vier a ser removido de um para outro cargo, ainda que isso não implique na sua remoção física da repartição onde está exercendo suas atribuições, poderá estar sendo praticada uma ilegalidade, uma vez que essa simplória remoção o estará afastando da presidência das investigações que estejam a seu cargo.Como podemos verificar, estabeleceu a Constituição do Estado que a remoção do Delegado de Polícia somente poderá ocorrer em duas circunstâncias possíveis: mediante pedido do interessado ou compulsoriamente. Sendo compulsória, somente poderá ocorrer com a manifestação favorável do Colegiado Superior da Polícia Civil. Neste caso, estabelece a Lei 207/79, na parte em que foi recepcionada, que a manifestação favorável irá se configurar quando totalizar dois terços dos membros do Conselho da Polícia Civil, único órgão colegiado superior dessa instituição.Não devemos esquecer, que mesmo atingida a votação necessária, a remoção deverá ser precedida de motivação e deverá ter por finalidade o interesse público, sem olvidar da total garantia ao titular do cargo da ampla defesa. A correção de eventual remoção ilegal caberá, por óbvio, ao Poder Judiciário, em âmbito de Mandado de Segurança; via processual adequada, uma vez que foi criada constitucionalmente para a salvaguarda de direito líquido e certo não protegido por Habeas Corpus.Apesar de assemelhar-se com a garantia da inamovibilidade, o disposto no artigo 140 da Constituição do Estado não se confunde com ela.A inamovibilidade é muito mais abrangente, uma vez que a remoção não poderia ocorrer ainda que o titular do cargo fosse promovido, fato que não ocorre com o Delegado de Polícia. Por isso, mesmo para ser promovido deverá haver sua aquiescência expressa, a fim de se evitar que ocorra sua remoção ilegal transfigurada de promoção. Em razão de tudo que aqui expusemos, urge que se estabeleça em âmbito nacional a garantia da inamovibilidade para o Delegado de Polícia – tanto estadual como federal – por ser medida de interesse público, eis que possibilitará um exercício mais independente das atribuições de Polícia Judiciária.
EMANUEL M. LOPES, delegado de polícia paulista, mestre em Direito.

Um comentário:

  1. Parabéns! Excelente artigo! É de longa data que também defendo esta posição, pois ela, com certeza, é a única via que irá firmar definitivamente a dignidade e o respeito no exercício da carreira do Delegado de Polícia, absolutamente aviltada nas últimas décadas pelos gestores públicos inescrupulosos!! Parabéns também pelo blog! Sergio Rios

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