quarta-feira, 11 de julho de 2007

A POLÍCIA JUDICIÁRIA DEVE TER INDEPENDÊNCIA


Não é recente a discussão a respeito de quem deveria exercer, em nosso sistema jurídico-penal, as funções de Polícia Judiciária.
Na exposição de motivos do Código de Processo Penal, subscrita pelo então Ministro da Justiça Francisco Campos, há um capítulo especialmente destinado a justificar a manutenção do Inquérito Policial, demonstrando que houve, já no ano de 1941, grande discussão e preocupação a respeito desse tema.
Naquela época, havia muitos doutrinadores e juristas favoráveis a instalação do denominado juizado de instrução – investigação feita pelo juiz de instrução com todos os poderes judiciais. No entanto, o exame da realidade brasileira desaconselhou o abandono do Inquérito Policial “como processo preliminar ou preparatório da ação penal”, nas palavras do então Ministro da Justiça.
O principal argumento para a manutenção do Inquérito Policial foi o de que, sendo uma instrução provisória que antecede a ação penal, funciona como uma garantia contra “apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime, ou antes, que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas”.
Esse entendimento prevaleceu durante décadas em nosso país e deve prevalecer ainda hoje, tendo em vista que foi totalmente recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Deveras, a nossa Carta magna trouxe um capítulo próprio para estabelecer as regras gerais a serem observadas no que diz respeito a Segurança Pública em nosso país.
Dentre outros diversos assuntos relacionados à área, de que tratam o artigo 144 da Constituição Federal, ficou cristalinamente definido no parágrafo 4o o seguinte: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.” (grifo nosso)
Ora, parece-nos bastante claro que o legislador constituinte não quis autorizar, via de regra, nenhum outro órgão ou instituição do poder público, a exercer funções de polícia judiciária a não serem as polícias civis, dirigidas por delegado de polícia de carreira.
Não obstante, podemos observar no texto constitucional que o legislador constituinte não tornou a atividade de polícia judiciária uma exclusividade das polícias civis dos Estados, restando claramente estabelecido na própria Constituição quem poderá exercer a atividade de polícia judiciária, bem como em quais casos ela será exercida. É a exceção confirmando a regra.
É a própria Constituição Federal que estabelece que as Polícias Civis terão atribuição de apurar todas as infrações penais, excluídas aquelas de competência da Justiça Militar e da Justiça Federal.
De acordo com essa diretriz constitucional, qualquer norma infraconstitucional ou entendimento doutrinário contrários, estarão viciados e passíveis de serem prontamente refutados, sem prejuízo de eventual declaração, por meio de via direta ou indireta, de inconstitucionalidade.
Não são poucos os julgados a respeito dessa matéria, no sentido de que cabe à Polícia Civil o exercício da atividade de polícia judiciária residual, ou seja, aquela que decorre da interpretação do parágrafo 4o do artigo 144 da Constituição Federal. Assim, excetuando-se as matérias criminais de competência da Justiça Militar e da Justiça Federal, o restante de todo o ordenamento jurídico penal pátrio está abrangido residualmente como atribuição das polícias judiciárias estaduais.
Atualmente, muito se tem falado a respeito de atribuir-se ou não ao Ministério Público tais funções, havendo demonstração de grande interesse por parte dos dirigentes dessa instituição, tanto nas esferas estadual como federal, em fazer prevalecer o entendimento de que já possuiriam poderes investigativos e, como se não bastasse, o de que também possuiriam verdadeiro poder correcional sobre a atividade de polícia judiciária.
Como conseqüência desse entendimento equivocado e nefasto, no Estado de São Paulo, a Procuradoria Geral de Justiça, à pretexto de regulamentar o denominado “controle externo da atividade policial”, estabelecido pela Constituição Federal, vem editando atos administrativos, segundo os quais os membros do Ministério Público teriam verdadeiro controle interno da atividade de polícia judiciária, chegando ao extremo de pretender controlar os recursos materiais sob administração dos Delegados de Polícia dirigentes das unidades policiais sujeitas à tal “fiscalização” do Parquet.
Além dos argumentos já delineados, no sentido de que a atividade de polícia judiciária não cabe em hipótese alguma ao Ministério Público, há outro argumento importante, no que diz respeito à condição de parte do órgão do Parquet. De fato, teríamos verdadeiro desequilíbrio processual e parcialidade na obtenção das provas que iriam embasar a futura ação penal, caso as investigações fossem de fato conduzidas pelo Ministério Público, órgão que se caracteriza por ser parte acusatória no processo penal.
A prevalecer esse entendimento, haveria clara violação do princípio da ampla defesa e, consequentemente, grande desequilíbrio processual, uma vez que as investigações seriam conduzidas apenas para atingir os interesses da acusação. Estaria totalmente comprometida a busca da verdade real.
Para obter o tão desejado equilíbrio entre as partes, teríamos que admitir a existência de uma “investigação acusatória”, presidida pelo Ministério Público, à par de uma “investigação defensiva”, presidida pela Defesa. Trata-se, é óbvio, de situação esdrúxula e impossível de ser implantada em qualquer sistema jurídico, muito menos no brasileiro.
O sistema de investigação brasileiro não é ruim, como afirmam seus detratores. Necessita, obviamente, de aprimoramentos, que passam pela sua melhor estruturação e adequado aparelhamento para otimizar o desempenho da polícia judiciária.
Necessário, ainda, que o Delegado de Polícia possua garantias legais para melhor desempenho de suas funções e para que seja preservado de ingerências e perseguições políticas.
Aliás, não seria essa a verdadeira discussão que deveria estar sendo realizada? Não seria o caso de conferirmos maior independência funcional ao Delegado de Polícia, ao invés de transformá-lo em autoridade de segunda categoria, como querem alguns setores da área jurídica?
Acredito que há grande temor por parte da classe política – além de outras classes e instituições públicas e privadas – em conferir ao Delegado de Polícia a independência funcional e garantias constitucionais de que necessita para bem desempenhar seu mister. Porque não conferir-lhe prerrogativas e garantias constitucionais nos moldes daquelas que já possuem o Ministério Público e o Poder Judiciário ?
Deveríamos nos perguntar, sem qualquer hipocrisia, se há realmente interesse por parte do Ministério Público em que haja total isenção na atividade de polícia judiciária – de tal forma que seja exercida com imparcialidade e seriedade – ou se buscam apenas o poder para a apuração das infrações penais que lhes convém ou que estão sob a luz dos holofotes da mídia.
EMANUEL M. LOPES
Delegado de Polícia

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