quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE SEGURANÇA

POLÍCIA E SEGURANÇA

Apesar do termo segurança ser constantemente (ou quase automaticamente) relacionado ao conceito de polícia, são expressões que não se confundem. A segurança, ao que nos parece, seria o gênero, um conceito mais abrangente e equívoco, enquanto que polícia seria mais específico, muito embora também seja gênero, pois o poder de polícia é entendido no Direito Administrativo como algo mais amplo do que a atividade policial em si.
Interessante para nosso estudo ressaltar a relação próxima que existe entre as expressões polícia e cidade.
Sobre essa questão, Jean-Claude Monet, em sua obra Polícias e Sociedades na Europa, apresenta a seguinte análise: “(...) se considerarmos a etimologia, existe comum acordo em ligar o termo “polícia” – assim como “política” – ao grego politeia. Até Aristóteles, com algumas variações, o termo remete de um lado à Cidade [polis], enquanto entidade distinta das outras comunidades políticas, de outro àquilo que mantém a Cidade em sua unidade, a saber: a arte de governar. A partir de Platão e Aristóteles, o conceito muda de conteúdo e remete a duas ordens de realidades: primeiramente, designa esse conjunto de leis e de regras que concerne à administração geral da Cidade, isto é, a ordem pública, a moralidade, a salubridade, os abastecimentos; além disso, remete a esses “guardiães da lei” de que fala Platão em A República, encarregados de fazer respeitar essa regulamentação. Desde aquela época, observa-se portanto uma distinção, que irá se endurecendo, entre as autoridades de polícia, que editam as regras, e as forças de polícia, que fazem respeitar tais regulamentos, se for preciso, pela força física”.
Mais adiante, ainda na definição etimológica de polícia, o mesmo autor comenta a visão dos romanos a respeito do tema, demonstrando que: “(...) seus juristas dão um conteúdo e um lugar específicos à noção de ‘polícia’, em construções teóricas que visam a justificar a soberania absoluta do Estado imperial sobre seus súditos. Nessa concepção, o imperium constitui o fundamento último do poder coercitivo do Estado – a potestas – e aquele que se manifesta concretamente através da ação administrativa, judiciária e policial. A essência da função governamental consiste em definir as fronteiras entre o público e o privado, através da produção de normas cujo respeito é assegurado por órgãos administrativos específicos, que utilizam, se necessário, o constrangimento físico. Em Roma, o praefectus urbis – o ‘prefeito da cidade’ – dispõe tanto do poder de editar regulamentações referentes a todos os aspectos da vida social quanto da autoridade sobre corpos de polícia especializados. Já é possível observar toda a ambigüidade da função de polícia: administrativa em sua forma, coercitiva em sua ação, a função policial está, por sua natureza, no coração político, que aparece ele mesmo sob a forma de uma relação de dominação”.
Como podemos verificar as expressões polícia e cidade possuem íntima relação e a origem etimológica demonstra isso. De fato, podemos concluir que não poderíamos conceber atualmente a existência de uma sem a outra, pois com o nascimento de uma cidade surge a necessidade da organização de vários serviços que são realizados através do poder de polícia estatal.

SEGURANÇA: CONCEITO E ABRANGÊNCIA.
Segurança é um termo equívoco que possui múltiplos significados. Nos dicionários encontramos vários significados para o vocábulo segurança.
Encontramos em Michaelis: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, por exemplo, vários significados para a palavra segurança. Como substantivo feminino composto pela somatória da palavra seguro mais ança, pode ser: “1. Ato ou efeito de segurar; seguração. 2. Estado do que se acha seguro; garantia. 3. Proteção: Os abrigos antiaéreos não oferecem segurança contra bombas atômicas. 4. Certeza, confiança, firmeza, infalibilidade. 5. Afirmação, certificado, protesto. 6. Força ou firmeza nos movimentos. 7. Penhor de garantia de uma dívida; caução. 8. Pessoa ou coisa que serve de estudo ou de apoio a outrem ou a outro. 9. Afoiteza, confiança em si, firmeza de ânimo, resolução. Prenhes das fêmeas dos quadrúpedes”.
O antônimo da acepção 3, acima mencionada é insegurança, risco, perigo. No campo da ciência do Direito, temos a expressão Segurança do juízo, que significa: oferecimento, feito pelo executado, de garantia em bens de valor equivalente ao do objeto da condenação, a fim de apresentar embargos à execução.
Ainda na área do Direito temos a expressão Segurança pública que significa a garantia e tranqüilidade asseguradas ao indivíduo e à coletividade pela ação preventiva do poder público.
No campo da chamada Segurança nacional pode significar garantia das instituições militares. No campo da Informática temos a expressão Segurança do nível de compartilhamento, que tem por significado o sistema operacional de rede que, para limitar o acesso, atribui senhas para os recursos.
Por fim, a expressão com segurança tem o sentido de: com firmeza; livre de risco; seguramente; sem temor.
Etimologicamente (Online Etimology Dictionary, hospedado no site http://www.etymonline.com) a expressão secure, na língua inglesa, tem origem em 1533, originando-se da expressão latina securus, que significava “sem cuidado, seguro”, oriundo da expressão “se cura”, de “livre de” somada a “cura” (cuidado). A origem do verbo vem do ano 1593 e tinha como significado “firmemente ajustado”, no sentido de coisas materiais. Em 1841 surge a noção de seguro no sentido de “conquistar um lugar para a confiança”.
Segundo o mesmo dicionário etimológico consultado, o termo security ou segurança tem origem do latim securitas (de securus) e teve surgimento a partir de 1432. A expressão figurativa “coberta de segurança” passou a ser utilizada somente em 1971, em referência ao berço coberto carregado por Linus, famosa personagem das histórias em quadrinhos Peanuts (no Brasil mais conhecida como Snoopy), de criação de Charles M. Schulz, editados em 1956.

EXEMPLOS DA ABRANGÊNCIA DA SEGURANÇA
Como vimos acima, a expressão segurança possui grande abrangência e significado equívoco, porquanto multidisciplinar sua aplicação. Apenas para exemplificar alguns casos em que se observa sua aplicação, bem como a extensão de sua complexidade, podemos aqui mencionar algumas expressões mais conhecidas e consagradas pela doutrina e pela mídia em geral, tais como: a segurança coletiva, a segurança alimentar, a segurança da informação, a segurança jurídica e a segurança nacional.
Cumpre-nos aqui ressaltar, no entanto, que nenhuma dessas expressões guardam relação direta ou similitude com o conceito de segurança pública, que tentaremos delinear no capítulo seguinte.
Para melhor esclarecer os significados dos exemplos mencionados, traçaremos breves análises e comentários a respeito, começando com o conceito de segurança coletiva, que surgiu com a criação da Organização das Nações Unidas e foi se desenvolvendo ao longo dos anos de estruturação deste organismo internacional e de seu conselho de segurança.
Para tentarmos alcançar o entendimento deste termo, recorreremos ao Embaixador brasileiro Marcos Castrioto de Azambuja (Palestra proferida no Colóquio Carta de São Francisco: 50 anos depois, organizado pela Área de Assuntos Internacionais de Estudos Avançados na Sala do Conselho Universitário da USP em 23 de junho de 1995.), segundo o qual “os problemas de hoje, como haviam previsto, são inescapavelmente globais e a participação no processo decisório terá que ser virtualmente universal. Os temas da regulação dos fluxos financeiros; da circulação de bens e serviços; dos movimentos migratórios e da mão-de-obra; as questões macroambientais; a proteção de direitos humanos; o combate ao terrorismo e ao narcotráfico, entre outros, têm uma tal evidente transnacionalidade, envolvem tantos e tão diversificados atores, que a necessidade de que sejam regulados por grandes sistemas diretores como aqueles expressos pelas Nações Unidas e a sua constelação de agências especializadas é self-evident”.
Em razão desses problemas denominados transnacionais, concluiu o autor citado que “a segurança coletiva deixa de ser adversarial e fundamentalmente militar e passa a ter dimensões econômica, social, ambiental etc., que fazem com que fiquem superados os debates travados faz vinte ou trinta anos sobre a extensão desses conceitos a campos outros que não o original, estreitamente associado aos componentes militares da idéia de segurança”.
O conceito de segurança alimentar, por seu turno, atualmente bastante difundido pela mídia nacional, tem sua origem nos anos 70; também em razão de uma preocupação internacional decorrente dos problemas globais de abastecimento. Um marco inicial de divulgação dessa expressão foi a Conferência Mundial de Alimentação, ocorrida em 1974 na cidade de Roma, aonde se chegou ao consenso de que segurança alimentar é uma garantia de adequado suprimento alimentar mundial para sustentar a expansão do consumo e compensar eventuais flutuações na produção e nos preços.
Em 1983 a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação ampliou o conceito de segurança alimentar para nele incluir a garantia de acesso físico e econômico das pessoas à alimentação básica necessária para a manutenção de uma vida digna e saudável. A partir dessa ampliação do conceito, três anos depois o Banco Mundial criou uma distinção técnica para criação de linhas especiais de crédito a países necessitados, estabelecendo uma diferenciação entre o conceito de insegurança alimentar transitória – que seria aquela decorrente de desastres naturais, colapsos econômicos ou conflitos bélicos – e de insegurança alimentar crônica – que seria aquela decorrente de problemas estruturais de pobreza e de baixa renda crônicos.
Em 1986 aconteceu uma nova Cúpula Mundial de Alimentação na cidade de Roma, quando se consolidou o conceito de que “a segurança alimentar, nos níveis individuais, familiar, nacional, regional e global, é alcançada quando todas as pessoas têm, a todo momento, acesso físico e econômico a alimentos inócuos (que não oferecem riscos à saúde) e nutritivos para satisfazer suas necessidades dietéticas e preferências alimentares, para uma vida ativa e saudável”.
No Brasil, a questão da segurança alimentar teve sua primeira abordagem efetiva em 1993, durante o governo de Itamar Franco, com a criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA, que foi posteriormente substituído pelo Conselho de Comunidade Solidária, durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
A expressão segurança alimentar foi reabilitada pelo atual Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, por meio da adoção do programa do governo federal denominado “Fome Zero”.
Outra concepção bastante importante nos dias de hoje, em razão do avanço significativo da tecnologia da informação, é a de segurança da informação.
Esta expressão também relacionada à segurança lato sensu, possui ligação com vários e diferentes aspectos relativos à integridade, confiabilidade e disponibilidade da informação. Aplica-se, portanto, a todos os aspectos de proteção e armazenamento de informações e dados, sob qualquer forma, não se restringindo apenas aos sistemas computacionais, ou a maneiras eletrônicas ou mecânicas de armazenamento de dados.
A importância na segurança da informação é crescente, conforme avançam e se sofisticam a utilização dos sistemas eletrônicos nas transações comerciais, bancárias e no armazenamento de informações sensíveis, tais como bancos de dados da rede bancária, de comunicações e banco de dados governamentais e empresariais.
São vários os mecanismos desenvolvidos para garantir a segurança no uso de sistemas computacionais de comunicação e ou sistemas eletrônicos em geral de armazenamento de dados. Fala-se em mecanismos de encriptação, que visam tornar a informação ininteligível àqueles que não disponham das senhas adequadas para decifrar os algoritmos; em assinatura digital, que visa dar a garantia de integridade a determinado documento, apesar de não lhe garantir a confidencialidade. Fala-se, também, em mecanismos de garantia de integridade da informação, em mecanismos de controle de acesso (sistemas biométricos, firewalls, cartões inteligentes etc.), em mecanismos de certificação, em integridade (garante a manutenção da genuinidade da informação/serviço) e em Honeypot (software que detecta ou impede a ação de um intruso, fazendo-o crer falsamente que está de fato explorando a vulnerabilidade do sistema).
Outro exemplo de expressão que envolve o conceito de segurança, que mencionamos no início, é o da segurança nacional, termo bastante difundido na época da ditadura militar ocorrida no Brasil. Relaciona-se com a delimitação e importância dada pelo governo às funções que devem ser exercidas pelas forças armadas, polícias e serviços de inteligência do país.
A expressão segurança nacional nos passa a impressão de uma preocupação maior do Estado com sua própria segurança e manutenção, em detrimento da segurança de seus habitantes ou do respeito aos direitos e garantias individuais.
Atualmente, muito se discute a respeito da manutenção desta expressão em países democráticos, alguns sugerindo sua substituição pela expressão segurança humana, como é o caso de Marco Cepik (Professor do Departamento de Ciência Política da UFMG, Pesquisador do Grupo de Estudos Estratégicos (GEE) da UFRJ. Autor do artigo Segurança Nacional e Segurança Humana: Problemas Conceituais e Conseqüências Políticas.) que define segurança nacional como “condição relativa de proteção coletiva e individual dos membros de uma sociedade contra ameaças plausíveis à sua sobrevivência e autonomia”.
A segurança nacional, portanto, segundo o autor mencionado, oferece “uma condição relativamente desejável a ser obtida através de políticas públicas” que lhe forneceriam “a principal justificativa para o exercício da soberania e o monopólio estatal do uso legítimo de meios de força”. Conclui, ao final do artigo de sua autoria, que “para reduzir a incerteza e aumentar a capacidade de preservar a segurança nacional que existem as forças armadas, polícias e serviços de inteligência. Tais organizações são parte do necessário esforço governamental para a solução de problemas de segurança, mas, na medida em que a própria busca de segurança é problemática, tais organizações de força e inteligência são também parte do problema. Por isso a segurança é um tema complexo, que teima em persistir a despeito da retórica liberal em torno da globalização”.
Apesar do sistema de segurança pública brasileiro encontrar-se totalmente desatualizado e em desacordo com o Estado Democrático de Direito, entendemos que a relação feita pelo autor mencionado de segurança nacional com polícia é bastante equivocado e evoca justamente este sistema ultrapassado de que falamos e que necessita de urgente revisão. A atividade policial deve ter relação com a proteção e respeito aos direitos individuais das pessoas e não com a defesa do Estado, enquanto manifestação de poder contra o indivíduo, como pensamos que ocorre hoje em nosso país.
Por fim, citaremos a expressão segurança jurídica, que abrange um conceito de muita relevância para a ciência do Direito. Devemos tratá-la mesmo como verdadeiro princípio geral que deve reger o sistema jurídico como um todo, tendo em vista sua enorme importância já no nascimento da norma jurídica.
De fato, temos que a própria Constituição da República possui mecanismos para lhe conferir segurança jurídica, como por exemplo, o controle de constitucionalidade das leis e as exigências necessárias para a modificação das normas constitucionais. Os requisitos criados na Constituição da República para alteração de suas normas visam justamente evitar mudanças constantes, que acabam por induzir um clima de insegurança jurídica no país. A existência das denominadas “cláusulas pétreas” também visa transmitir a segurança jurídica tão almejada pelo sistema constitucional, garantindo que determinados direitos e princípios jurídicos basilares não sejam, de maneira alguma alterados. Além desses exemplos, temos os institutos da coisa julgada, do direito adquirido, do ato jurídico perfeito, da irretroatividade da lei prejudicial etc., todos de extrema importância para garantir a necessária segurança jurídica.
Como vimos, os exemplos e definições de diferentes expressões e contextos em que se insere a questão de segurança, foram desenvolvidos tão somente para demonstrar o quão complexo e difícil pode ser apresentar um conceito de segurança, haja vista suas implicações em diversas áreas do conhecimento geral e internacional.
A questão da segurança pública também é complexa e está longe de apresentar uma definição clara de sua área de atuação, em especial no Brasil, em que se confunde segurança pública com outros conceitos, chegando muitos a acreditar que esta função deve ser realizada pelas forças armadas, um dos maiores, senão o maior, equívoco que se pratica nesta área atualmente.
Emanuel M. Lopes
(Este artigo é parte de Dissertação apresentada em curso de Mestrado em Direito da UNIMES/Santos.)

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