quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

COMO COMBATER A CORRUPÇÃO NA POLÍCIA?

PUBLICO ABAIXO TEXTO DE AUTORIA DA DRA. DENISE FROSSARD QUE FOI PUBLICADO ALGUNS ANOS ATRÁS, MAS QUE AINDA CONTINUA MUITO ATUAL.
CONCORDO COM ELA NA PARTE QUE DIZ QUE A POLÍCIA JUDICIÁRIA NECESSITA DE URGENTE REFORMA, QUE A TORNE MAIS INDEPENDENTE E, PRINCIPALMENTE, TRANSPARENTE, DE MODO A TORNÁ-LA LIVRE DAS AMARRAS QUE LHE TOLHEM A INDENPENDÊNCIA DE ATUAÇÃO E QUE LHE MACULAM A CREDIBILIDADE COM A CORRUPÇÃO.
SEGUNDO A AUTORA, PRECISAMOS DE UM GRUPO DE INTOCÁVEIS CAPAZES DE ENFRENTAR AS RESISTÊNCIAS QUE IMPEDEM AS TRANSFORMAÇÕES NECESSÁRIAS.
INFELIZMENTE, "OS INTOCÁVEIS" ATUALMENTE SÃO AQUELES QUE SE LOCUPLETAM COM A CORRUPÇÃO.
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OS INTOCÁVEIS

"É preciso mover uma guerra contra o crime organizado, a arrogância do crime está passando de todos os limites" disse o Presidente Cardoso a propósito do seqüestro seguido de morte de que foi vítima o Prefeito de Santo André, Celso Daniel, ao mesmo tempo em que, corretamente, chamava a atenção para o fato de que ele, enquanto Presidente da República e de acordo com a Constituição Federal, não pode interferir na segurança pública dos estados. Estes, contudo, sempre se mostraram ineficazes na razão de suas existências: a de propiciar a segurança pública aos seus cidadãos! O economista Ib Teixeira, da FGV, calcula que anualmente são gastos 24 bilhões de reais em segurança privada e seu crescimento é de 5% ao ano.

Existem 3 guardas de segurança privada para cada guarda de segurança pública. A falta de recursos e de treinamento das polícias, além da corrupção ostensiva deste corpo é somente um aspecto do problema. É que as organizações criminosas têm contornos próprios e o mais relevante deles é a proximidade com o poder político, que possibilita a essas organizações constituírem-se em verdadeiro estado paralelo, com vistas a substituir o estado constitucional. Quem não se lembra do Rio de Janeiro em 1994, quando foi conhecido o teor de listas e livros de contabilidade utilizados pelo já falecido chefe do crime organizado brasileiro, o "bicheiro" Castor de Andrade, num escândalo que comprometeu quase todo o Estado do Rio de Janeiro, relativamente às suas lideranças políticas em todos os níveis das suas administrações, além de integrantes dos segmentos sociais mais cultos e favorecidos, e bem assim, de policiais, Promotores de Justiça e até Juizes?
Um dos livros registrava a "contribuição" mensal de 250.000 dólares, não para a Delegacia de Contravenções, como seria previsível, já que ostentava ele, com orgulho, a condição de contraventor, "banqueiro" do "jogo dos bichos" mas sim para a Delegacia de Entorpecentes... Constatou-se, também, sinais de conexão com lideranças políticas de São Paulo, além de outras unidades da federação. Por tudo isso, não é mera coincidência que, por um lado, não se tenha desenvolvido a repressão administrativo-policial a todo esse universo de ilicitudes, e que por outro, não tenha havido consistência e seriedade em qualquer alardeada vontade política de atuar nestes moldes. E a razão disso é simples: o quase completo comprometimento e contaminação do aparelhamento da administração pública, notadamente no seu braço repressivo policial, como também nos quadros políticos que abastecem os corredores do poder do nosso País. O resultado aí está: o alarmante crescimento do crime organizado, verdadeira epidemia onde os remédios aplicados não surtem mais efeito. O publicitário Olivetto, seqüestrado há mais de 40 dias é ainda mantido em cativeiro; Eduardo Capobianco, presidente da Organização Transparência Brasil e do Instituto São Paulo contra o Crime, foi crivado de balas, há um mês, na garagem de sua empresa e salvo milagrosamente por uma pasta que usou como escudo, além de milhares de pessoas anônimas, nas mesmas condições.
A indignação nossa de cada dia, diante de cada crime, se transforma, em pouco tempo, em resignação. Atacar os níveis da criminalidade é mais fácil do que propor como reduzi-los. Uma química nova se faz necessária, onde os elementos são: uma nova forma de se fazer polícia; uma nova forma de se fazer justiça e uma nova forma de se acabar com a miséria.
A polícia, chamada judiciária (mas subordinada ao poder executivo), com sua estrutura arcaica e viciada faz dela refém não só o Ministério Público, que recebe o inquérito se e como a autoridade policial quiser, obrigando-o, muitas vezes, a pedir o arquivamento, por falta de elementos suficientes para o oferecimento de denúncia, mas também o Poder Judiciário, que somente pode manifestar-se se e quando o Ministério Público o provocar. Não seria a hora de se formar uma comissão de notáveis, moral e tecnicamente intocáveis, para apresentar, com urgência, propostas que conduzam à redução da criminalidade e da impunidade, que tenha a ousadia de inovar, levando Juizes para a ponta da investigação, com a criação dos Juizados de Instrução?
A sociedade precisa estender um pouco mais os prazos de sua indignação e levá-los ao limite das soluções.

Denize Frossard
Juíza de Direito, Professora da FGV/Rio e Diretora e Fundadora do "Transparência Brasil"

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