quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ERGONOMIA NO TRABALHO POLICIAL

Qualquer Delegado de Polícia que tenha efetivamente desempenhado suas funções nos plantões das delegacias de São Paulo e interior, ou pelo menos assumido a presidência de centenas ou milhares de inquéritos policiais por alguns anos, é capaz de apontar sem pensar muito, uma rápida listinha de ingredientes para ter problemas, ainda que tenha agido na mais absoluta boa-fé.
Para quem trabalha há anos é mais fácil prever o que pode dar errado, seja por bom senso, observação da realidade, ou porque testemunhou ocorrências que se converteram em problemas de toda espécie e proporção, com graves conseqüências para o responsável pelas decisões.
Em tempos modernos, contudo, é muito antiquado considerar que o conhecimento efetivo da prática da atividade policial tem alguma importância. Há uma certa presunção de que o policial, incluindo o delegado de polícia, não tem lá muito o que dizer sobre o seu próprio trabalho, ou porque é intelectualmente despreparado ou porque, sendo policial, é necessariamente suspeito de algum defeito, como desonestidade, truculência, burrice etc.
Todos parecem saber mais que o delegado de polícia sobre seu trabalho, incluindo alguns de outras carreiras policiais, sem falar de membros de outras instituições, políticos, advogados, sociólogos, economistas, jornalistas e colunistas sociais etc.
Não há dúvidas de que profissionais de outras áreas têm contribuições relevantes e úteis para aprimorar a polícia judiciária. Cada vez mais se sabe que a interação entre as variadas áreas do conhecimento é fundamental para o desenvolvimento de qualquer sistema, especialmente numa área que, além do conhecimento jurídico, exige-se o domínio de técnicas multidisciplinares.
O verdadeiro estudioso jamais avalia a pertinência de uma idéia tão somente com base nas credenciais de quem a apresentou, mas sim é capaz de refutá-la ou corroborá-la com argumentos próprios.
Se é preciso admitir, como condição si ne qua non de melhoria, que as discussões sobre a polícia judiciária e a segurança pública não sejam tratadas pelos profissionais da área como um jogo privativo dos seus membros, necessariamente a contribuição destes não pode ser tratada com desconfiança ou mera consideração educada, típica de quem se acredita superior, mais pela beleza dos títulos do que pela força das idéias.
O estudo da lingüística nos mostra que há algum tempo que as palavras antigas, já sacramentadas pela boa técnica ou pelos usos e costumes, vem sendo substituídas por outras mais novas e frescas, mais aptas a serem levadas a sério ou a causarem o impacto político desejado, apenas porque representam a idéia de algo inovador. Assim como as palavras, novos estudos criam conceitos novos, ora para revolucionar idéias, ora para dar nova roupagem às antigas.
Alguns destes termos parecem mesmo ter conquistado a simpatia das platéias, porque o simples emprego dessas palavras já confere ao discurso maior elegância e credibilidade, ainda que tenham sido proferidas em total descompasso com seu verdadeiro significado.
É com certa curiosidade que se observa a prevalência de discussões sobre “gestão”, “estatísticas” e “metas” sobre outras questões mais imediatas, tais como consertar a viatura quebrada ou mesmo proporcionar aos policiais rádios, computadores e telefones que funcionem.
Mais importante do que criticar o uso inadequado das palavras da moda é entender o que significam e aplicar os princípios que com elas tiverem pertinência. Se as idéias forem discutidas no lugar das palavras e dos títulos, policiais, economistas, médicos e administradores facilmente perceberiam como concordam em muitos aspectos e como o conhecimento de cada qual contribui para a formação de um sistema eficiente.
Neste contexto, vale a pena conhecer os princípios da ergonomia, porque, para aqueles que não sabem, o termo significa muito mais do que cadeira confortável para trabalhar sem ficar com dor nas costas.
Ergonomia ou Fatores Humanos é a ciência que estuda a relação entre os seres humanos e outros elementos de um sistema.
A função dos ergonomistas é aplicar vários conhecimentos teóricos, princípios e métodos para desenvolver projetos capazes de melhorar o bem-estar humano e o desempenho geral de um sistema, contribuindo para o projeto e avaliação de tarefas, trabalhos, produtos, ambientes e sistemas, a fim de torná-los compatíveis com as necessidades, habilidades e limitações das pessoas.
As aplicações são várias, porque a ciência é multidisciplinar, englobando aspectos relacionados a diferentes cursos, como medicina, fisioterapia, engenharia de produção, desenho industrial, psicologia etc.
A Associação Internacional de Ergonomia divide a ergonomia em três áreas: Ergonomia física, ergonomia cognitiva e ergonomia organizacional.
A Ergonomia Física estuda as respostas do corpo humano à carga física e psicológica. Aqui cabe o exemplo da tal cadeira ergonômica, adaptada ao usuário do computador.
A Ergonomia Cognitiva, conhecida como engenharia psicológica, diz respeito aos processos mentais, tais como percepção, atenção, controle motor e capacidade de memória. Aplicações importantes: carga mental de trabalho, vigilância, capacidade de tomar decisões, interação humano-computador e treinamento.
A Ergonomia Organizacional ou macroergonomia estuda a estrutura do sistema de trabalho no sentido mais abrangente, quanto à organização do sistema, ao estabelecimento de políticas e processos relacionados à execução do trabalho. Exemplos de aplicação prática: Divisão do trabalho em turnos, programação das tarefas a serem executadas, formas de gerar maior satisfação pessoal nos trabalhadores, motivação, supervisão, aperfeiçoamento do trabalho em equipe, de trabalho à distância e ética.
Qualquer trabalho realmente sério de gestão na polícia precisa considerar, e muito, todos os aspectos referentes à ergonomia, porque o objetivo final é a melhoria de todo sistema, de modo a otimizar a produtividade e alcançar uma prestação de serviço de qualidade, sem olvidar da melhoria nas condições de salubridade e segurança no meio ambiente de trabalho do policial.
Há vários sistemas complexos, mas as questões referentes à polícia judiciária e à segurança pública estão entre as mais complexas de todas, porque envolvem, além do controle social que qualquer país precisa, risco efetivo para a vida e a saúde dos profissionais e de todos os envolvidos.
Todos policiais trabalham armados e a maioria é obrigada a cumprir turnos de plantões durante muitos anos. Há quem aposente após desempenhar suas atribuições exclusivamente em plantões, ou seja, trabalhando décadas em turnos ininterruptos de plantões.
Este policial armado encara anos de plantões noturnos, por vezes com horários dobrados de 12, 24 e até 48 horas, sem que haja qualquer preocupação administrativa com o limite de sua carga horária diária ou semanal. Parece não haver qualquer preocupação com os limites necessários de horário de trabalho, como condição admissível para um bom desempenho dessa atividade de alto risco, em que um erro pode significar graves prejuízos aos policiais e aos destinatários de seus serviços.
A essa altura, alguns questionamentos são inevitáveis:
Quantos anos alguém pode trabalhar em plantões sem perder a saúde e o sono? Alguém perguntou aos médicos? Como vai se comportar um policial armado na 12ª hora seguida de plantão noturno? Conseguirá proteger a si próprio e as pessoas que estiverem ao seu redor com a mesma presteza? Qual a chance deste policial exausto errar? Quem suportaria o preço do erro?
Podemos indagar, ainda:
Quais os equipamentos realmente necessários para o trabalho do policial plantonista? Quantos policiais são necessários para garantir o bom atendimento da população dentro de parâmetros razoáveis de segurança? Como gerar motivação nestes policiais? Como garantir-lhes a manutenção da saúde, para que tenham a capacidade de decidir questões complexas em poucos minutos e para que possam desenvolver um trabalho de qualidade ao longo de sua vida profissional?
Como estruturar equipes de policiais que vão atuar na continuidade das investigações inicialmente atendidas nos plantões? Quais softwares são mais úteis à polícia? Quais são necessários ao perito, ao delegado ao investigador? Como deve ser a preparação, treinamento e reciclagem de delegados, escrivães e investigadores?
Se ainda não se sabe como fazer, é certo que qualquer policial sabe como não fazer.
Regimes de plantões sem fim até a velhice sem alternância com trabalho em horário de expediente, trabalho por horas e horas a fio sem alimentação adequada, pouco descanso, ausência de salas de repouso nos distritos, cargas horárias superiores a 40 horas semanais, funcionários cansados e desmotivados, sem perspectiva alguma de promoção ou melhoria das condições de trabalho, horas e horas dedicadas a “bicos” para a complementação de renda, diligências cumpridas em viaturas danificadas ou sem manutenção adequada, com rádio quebrado, sem equipamentos suficientes de segurança, dentre outras questões que comprometem a segurança do exercício da atividade policial. Os exemplos encheriam páginas e páginas.
Os ergonomistas ficariam arrepiados. Diriam que a organização do sistema é ineficiente e inadequada e que o sistema está falido, fadado ao fracasso.
Qualquer policial experiente, com mais ou menos estudo, diria de forma menos elegante: VAI DAR PROBLEMA.
Se as idéias forem consideradas mais importantes do que as palavras ou as expressões da moda que as definem, poderemos ter chance de, quem sabe, algum dia, quando alguém parar para enfrentar os problemas e realizar estudos realmente sérios a respeito, conquistarmos um sistema realmente melhor e eficiente de polícia judiciária e de segurança pública.
Autor: Emanuel M. Lopes, Delegado de Polícia e Mestre em Direito.

Um comentário:

  1. Caro Sr.Emanuel
    Sou estou fazendo um estágio na Delegacia de Polícia Civil de Tijucas Santa Catarina sobre ergonomia na área organizacional.
    Gostaria de saber se você teria algumas colocações a mais para que possa colocar em meu TCC de Administração.Sei que á muita coisa a ser feita nesta área, e também queria deixar algo de certo para os funcionarios desta organização.
    Atenciosamente
    Ana Cristina Mauricio
    cristinamauricio@uol.com.br

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