terça-feira, 22 de janeiro de 2008

INAMOVIBILIDADE RELATIVA?


Um dia desses, encontrei um colega na Associação e debatemos a respeito da necessidade da garantia da inamovibilidade para o Delegado. Esse colega de carreira, que considero também meu amigo, entende que os Delegados paulistas possuem o que ele denomina de Inamovibilidade Relativa, tendo em vista o que dispõe o parágrafo 3o do artigo 140, da Constituição Estadual, ou seja:
“§ 3º A remoção do integrante da carreira de Delegado de Polícia somente poderá ocorrer mediante pedido do interessado ou manifestação favorável do Colegiado Superior da Polícia Civil, nos termos da lei”.
Portanto, se o Delegado somente pode ser removido à pedido ou compulsoriamente, nos termos da lei, segundo o entendimento mencionado, teríamos aqui uma espécie de “inamovibilidade relativa”, pois, mesmo sendo compulsória a remoção, somente poderia ocorrer com manifestação favorável do Colegiado Superior da Polícia Civil. Obviamente, mesmo sendo compulsória a remoção, não estaria dispensada de atender ao interesse público, nem tampouco de cumprir todos os demais requisitos do ato administrativo.
O dispositivo Constitucional mencionado estipula que a remoção poderá ocorrer por manifestação de vontade do interessado ou por via compulsória. Neste último caso entendo que se trataria de uma remoção-punição e, nessa qualidade, deveria ser precedida de apuração em processo administrativo, com resguardo do direito à ampla defesa daquele que se pretende remover. Entenda-se, portanto, que somente após a apresentação dos motivos da remoção compulsória e de realizada a defesa do interessado é que se manifestará o Colegiado Superior a respeito da remoção.
E como deverá ser esta manifestação do Colegiado Superior?
Diz a Constituição Estadual que deverá ocorrer “nos termos da lei”. Como não surgiu nenhuma lei complementar a respeito do tema após a promulgação da Constituição Estadual, o entendimento dominante é o de que o artigo 36 da Lei Orgânica da Polícia do Estado de S. Paulo (L.C. 207/79), foi recepcionado em parte, no sentido de que a manifestação do Colegiado Superior ou do Conselho Superior da Polícia Civil, deverá se dar por 2/3 da totalidade de seus membros.
Aqui chegamos ao ponto em que cabe a grande pergunta: porque inamovibilidade relativa?
Segundo esse entendimento, como a remoção é possível dentro de determinados critérios ou parâmetros legais, já apontados acima, o Delegado não é inamovível, mas possuiria, segundo essa compreensão, uma espécie de relativa inamovibilidade.
Respeito a posição do nobre colega, porém, descordo totalmente desse entendimento, porque o Delegado não possui qualquer tipo de inamovibilidade, até porque só há uma inamovibilidade e é aquela garantia prevista na Constituição da República para os membros do Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.
Como a própria nomenclatura define, inamovível é a qualidade daquilo ou daquele que não pode ser removido. Portanto, ao titular do cargo que possui esta garantia, não se pode remover, a não ser à seu pedido.
A grande diferença está justamente em todos os direitos que decorrem da garantia da inamovibilidade.
Inicialmente, a título de exemplo, cito o caso da promoção para quem possui esta garantia. Mesmo na promoção por antiguidade, o titular do cargo que possui inamovibilidade somente poderá ser promovido se manifestar sua vontade. Isto ocorre para evitar que uma eventual remoção compulsória esteja disfarçada de promoção. Ressalto que, da mesma forma que ocorre com a promoção, as remoções também são feitas através de concursos alternados por antiguidade e merecimento, publicando-se as vagas disponíveis e aguardando a inscrição dos interessados, ou seja, tudo é feito com a maior transparência e justiça possível.
Outro atributo dessa garantia é a de que todos os cargos existentes na carreira que a possuem devem ser criados e extintos por lei, que deverá ser de iniciativa da própria instituição a que pertence o titular da garantia. Entenda-se que a função onde o cargo será exercido é a ele diretamente vinculada. Portanto, a extinção de um vincula a do outro. Por exemplo, se a 44a Vara Criminal da Comarca de São Paulo fosse extinta por lei, o Juiz que a titularizasse deveria ser consultado para onde gostaria de ser removido. Caso não quisesse ser removido para lugar algum, deveria permanecer em disponibilidade, sem qualquer prejuízo. Isso se dá para que não haja possibilidade de remoção compulsória nem mesmo por meio de alteração legislativa.
Como se pode verificar, a inamovibilidade gera uma série de outros direitos que os Delegados, infelizmente, estão muito longe de alcançar. De fato, a Polícia Civil não possui regras claras ou critérios administrativos objetivos para a realização das remoções à pedido. Disso decorre que se alguém quer ser removido para função que considere melhor – aspiração absolutamente legítima de qualquer profissional – não possui nenhum direito a isso, mesmo que possua mais antiguidade ou todos os méritos acadêmicos e profissionais para tal, pois a remoção sempre estará sujeita a análises subjetivas que, por sua natureza e no mais das vezes, não possuem compromisso com a transparência ou justiça do ato.
Outro aspecto importantíssimo e totalmente relegado é que na polícia as funções são criadas por atos administrativos e não se vinculam aos titulares dos cargos. Disso decorre que todos os departamentos existentes na Polícia são criados por decreto, passíveis de extinção a qualquer momento. As unidades desses departamentos são instaladas por atos administrativos, por isso podem ser extintas e recriadas a qualquer momento.
Mesmo com todas essas dificuldades institucionais e mesmo que os Delegados nunca viessem a conquistar a garantia da inamovibilidade, bastaria que os direitos e prerrogativas que já possuem hoje fossem respeitados e a Polícia Civil possuiria muito mais credibilidade e, ao mesmo tempo, ofereceria mais atrativos aos novos bacharéis em Direito que estão se candidatando aos concursos públicos para Delegado de Polícia.

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